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Alojamento local: decisão do Supremo Tribunal de Justiça «não é lei»

Fernanda Cerqueira | 27-06-2022
Juristas, operadores de mercado e representantes da atividade de alojamento local em Portugal afastam o cenário de uma «avalanche de processos» e consideram que a principal repercussão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é a «insegurança».
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Num momento que é de retoma da atividade turística, entre os operadores de alojamento local sente-se alguma «insegurança», motivada pela «instabilidade» gerada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022, de 22 de março. De acordo com este acórdão, no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.  

As dúvidas que envolvem a interpretação e o alcance desta decisão deram o mote ao seminário “Alojamento local: impactos (realistas) da aplicação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça”, uma iniciativa do Imojuris, em parceria com a PLMJ e a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), que decorreu no dia 23 de junho, no auditório da PLMJ, em Lisboa.

«Antes do processo em causa ser analisado pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, tivemos uma sucessão de decisões», recordou Margarida Osório de Amorim, sócia da área de imobiliário e turismo da PLMJ. Uma querela que só encontrou termo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 22 de março, «mas cuja decisão gerou alguma instabilidade entre os operadores de alojamento local».

Acórdão do STJ tem «um efeito persuasivo qualificado, mas não é vinculativo»

Questionada sobre o efeito prático deste acórdão, Carla Góis Coelho, sócia na área de resolução de litígios da PLMJ, começou por esclarecer que «este acórdão não é lei». Segundo a advogada, o acórdão «não introduz alterações em decisões anteriores, nem permite a reabertura de processos dirimidos no passado. O único impacto é em casos judiciais pendentes ou processos futuros». Mas, mesmo nesses casos, prosseguiu, «esta decisão não é vinculativa», o que significa que «os juízes continuam a ser livres na apreciação e decisão» desta matéria. A advogada reconhece que «este acórdão tem naturalmente um efeito persuasivo importante, pois trata-se de uma decisão qualificada, tomada pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, mas não é vinculativo».

Já Eduardo Miranda, Presidente da ALEP, considera que «esta decisão não vai criar uma avalanche de processos» e «apenas afeta os estabelecimentos de alojamento local em frações autónomas destinadas a habitação segundo o título constitutivo da propriedade horizontal». E ainda que, segundo dados da ALEP, 65% dos alojamentos locais em Portugal sejam apartamentos, «instaurar um processo judicial para fazer cessar a atividade de exploração de alojamento local tem custos e leva tempo», o qual «pode ser o suficiente para a própria lei mudar e este acórdão perder a sua força qualificada».

Na mesma linha, também os operadores de alojamento local desvalorizam os efeitos práticos deste acórdão. «O impacto deste acórdão é zero», afirmou Miguel Rodrigues, Managing Director da Feels Like Home Portugal, que fala de um mercado cada vez mais profissional. «A pandemia, de alguma forma, gerou uma certa reorganização do mercado de alojamento local, com alguns alojamentos locais a migrarem para o arrendamento de longa duração. A pandemia deixou no ativo apenas os operadores com perspetiva de atividade».

Também Andreia Candeias Mousinho, sócia na área de urbanismo da PLMJ, considerou que «este acórdão criou alguma agitação, insegurança e instabilidade, mas sem repercussões imediatas e práticas».

Acórdão de Uniformização do STJ é «uma tutela do condómino»

Para Eduardo Miranda, «o maior problema deste acórdão é o receio criado», na medida em que «cada operador de alojamento local se sente na mão de cada um dos condóminos o que é pior do que estar sujeito ao condomínio».

Isso mesmo sintetizou bem Margarida Osório de Amorim, ao referir que «o grande impacto deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência é que a interpretação de não ser permitida a exploração de alojamento local em frações destinadas a habitação no respetivo título constitutivo permitirá agora, a qualquer condómino, arguir esta ilicitude e exigir a cessação dessa atividade, independentemente de ter sido obtido o respetivo título de abertura ao público», funcionando o acórdão como «uma tutela do condómino».

Assembleia da República deverá chumbar as alterações ao regime do AL propostas pela IL e pelo BE

O alojamento local tem ajudado a dar resposta à dinâmica do turismo em Portugal e contribuído como rendimento principal ou complementar de muitas famílias. Contudo, na opinião de Eduardo Miranda, «ao tocar o tema da habitação, torna-se um assunto político». É por esta razão que se sucedem várias propostas de alteração ao respetivo regime jurídico pelos diferentes partidos.  As mais recentes foram apresentadas pela Iniciativa Liberal (IL) e pelo Bloco de Esquerda (BE), propostas «reativas à decisão do STJ e que não deverão ser aprovadas», referiu o Presidente da ALEP.

A IL apresentou um projeto de lei cujo objetivo é clarificar o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, introduzindo um novo número ao artigo número dois que fixa a noção de estabelecimento de alojamento local. O objetivo dos liberais é acautelar que não haja qualquer alteração em consequência da decisão do STJ. Também o BE apresentou um projeto de lei que cria uma moratória na alteração do registo das casas de habitação para fins comerciais em zonas de pressão de alojamento local. Para o Presidente da ALEP, estas propostas são «pensos rápidos»: a IL «introduz um pequeno ajuste à lei, ainda que importante», e o BE propõe «um total retrocesso».

Eduardo Miranda sublinhou ainda que, «as sucessivas alterações legais, fiscais e qualquer rumor motivado por discussões parlamentares ou decisões dos tribunais criam instabilidade e têm sempre um impacto negativo na atividade». Sem esquecer que o enquadramento legal do alojamento local em Portugal é absolutamente pioneiro na Europa, Eduardo Miranda destacou a importância de «criar um enquadramento legal potenciador do crescimento da atividade de forma sustentável». Para o Presidente da ALEP, «o que precisamos é de estabilidade e de olhar para o futuro e não de leis reativas e pensos rápidos».