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Seminários jurídicos marcaram a agenda da 10ª edição da Semana da Reabilitação Urbana do Porto

Fernanda Cerqueira | 28-11-2022
Vistos Gold, alojamento local e descarbonização no setor imobiliário, estas foram as grandes temáticas das três sessões jurídicas promovidas pelo Imojuris, em parceria com a Abreu Advogados, a Morais Leitão e a PLMJ, no âmbito da programação da 10.ª edição da Semana da Reabilitação Urbana do Porto.
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A primeira sessão jurídica decorreu no dia 22 de novembro, promovida pela Abreu Advogados, em colaboração com o Imojuris, e sob a epígrafe “O impacto dos Vistos Gold na reabilitação da cidade do Porto”.

Desde a entrada em vigor do regime das autorizações de residência para atividade de investimento (“ARI”, mais conhecido por “Vistos Gold”), em 2013, foram captados por via deste instrumento mais de 6,5 mil milhões de euros. Deste montante, a maior parte corresponde à aquisição de bens imóveis que, no final de setembro, somava mais de 5,8 mil milhões de euros.

Não restam dúvidas que «o investimento escolhido pelos investidores, ao abrigo deste regime, foi o imobiliário», referiu Benedita Pessanha, associada sénior da Abreu Advogados e especialista na área de Imobiliário.

Em 2015, o regime foi alterado e «abriu a possibilidade de investimento em reabilitação urbana aos investidores estrangeiros», disse a advogada. E, apesar da dinâmica de mercado positiva criada por este regime, a subida dos preços da habitação colocou-o na mira de muitos críticos.

Em 2021 foi feita uma nova alteração, que «limitou este tipo de investimento a imóveis que não sejam destinados a habitação em todo o território litoral do continente, incluindo no Porto, em Lisboa e no Algarve». Continua «a ser possível investir através deste regime em Lisboa e no Porto, a única exceção é a habitação», sublinhou Benedita Pessanha. Uma exceção importante, considerando que «o investimento através do Golden Visa se destinava maioritariamente para habitação», referiu Miguel Gomes, Diretor-Geral da Mercan Properties. O promotor imobiliário reconheceu que «se abriu uma oportunidade para um segmento de mercado que estava mais parado – o comércio e os serviços», contudo «a exclusão da habitação prejudica a reabilitação urbana», frisou o responsável da Mercan Properties.

Uma alteração legislativa, em vigor desde o início deste ano, que teve como principal argumento a subida dos preços no imobiliário residencial, apesar de «os Golden Visa não terem qualquer impacto na especulação imobiliária», defendeu Nuno Pinto de Sousa, mediador imobiliário, diretor da Castelhana. Segundo revelou, «os Golden Visa representam, na Área Metropolitana do Porto, cerca de 1% do total das transações de imóveis».

Para Miguel Gomes, «esquecemo-nos também de olhar para os benefícios» do programa. «O Governo deve revisitar o regime e, se necessário, alterar o modelo de investimento, mas não determinar o seu fim», referiu o promotor imobiliário.

A mesma ideia foi partilhada por Benedita Pessanha. «Se alterarmos o modelo de investimento, vamos assistir a algum reajustamento por parte dos investidores, mas pode ser viável, por exemplo, no incremento do mercado de arrendamento, até porque a maior parte dos investidores Golden Visa não compra os imóveis para neles residir». Para a advogada, «há um amplo conjunto de segmentos - residências de estudantes, residências seniores - que podem beneficiar do impulso dos Golden Visa». Também Nuno Pinto de Sousa considerou que «ter os Golden Visa alocados ao arrendamento poderia ser muito positivo».

Alojamento local: decisão do STJ «não é lei, é um entendimento uniformizado

No dia 23 de novembro, a sessão jurídica “Alojamento local. Qual a situação atual?” reuniu especialistas da Morais Leitão e operadores de mercado numa abordagem à dinâmica da atividade de alojamento local e às principais consequências decorrentes do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022, de 22 de março.

Contemplada no Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos, «a atividade de alojamento local só se autonomizou em 2014, com o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, que aprovou o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local», lembrou Rui Ribeiro Lima, Advogado Sénior da Morais Leitão.

Uma atividade que «acompanhou muito de perto a reabilitação urbana e que ganhou uma expressão económica significativa, sobretudo nas cidades do Porto e de Lisboa», referiu o advogado.

Contudo, «o tema do alojamento local não é uniforme nos municípios». Com efeito, desde a delimitação das áreas de contenção, à definição do tipo de uso (habitação ou comércio), a câmara municipal territorialmente competente tem uma grande margem de atuação através do regulamento municipal. E se Lisboa avançou rapidamente com a criação deste instrumento, o mesmo não se verificou no Porto. Para Rui Ribeiro Lima, «o Porto deve avançar com o seu regulamento de alojamento local porque é uma forma de disciplinar a atividade».

O alojamento local tem motivado muitas decisões dos Tribunais, algumas das quais contraditórias. Em março deste ano, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022 agitou os operadores de alojamento local. De acordo com este acórdão, no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.  «Uma decisão que vem pôr fim a uma querela, mas no caso concreto», começou por referir Joana Duro, Associada Principal da Morais Leitão. «É evidente que uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça tem um efeito harmonizador, ou seja, futuras discussões sobre este tema vão levar em linha de conta esta decisão. Mas não alterou a lei do alojamento local e não se aplica diretamente a outros casos. Há sim, uma predisposição dos tribunais de primeira instância para decidir num determinado sentido». A decisão do STJ «não é lei, é um entendimento uniformizador», concluiu.

Do lado dos operadores de alojamento local, Rui Camboa, Gestor de Marca da PCALE, confirmou que «num primeiro momento, quando conhecemos este acórdão pelos jornais, a mensagem que chegou foi de proibição. Os tribunais decidiram travar o alojamento local em prédios de habitação». Contudo, essa mensagem foi rapidamente corrigida por juristas e advogados, e «quem faz alojamento local já está habituado a que de longe a longe surjam notícias adversas à atividade».

Rui Ribeiro Lima admite que «face à falta de habitação, o alojamento local tende a ser “diabolizado”. Isto quando o problema está a montante, na oferta de habitação. Temos de fomentar o arrendamento a preços acessíveis e o build to rent».

Também Fernando Santos, Professor Assistente Convidado da Católica Porto Business School, concorda que é um erro “diabolizar” o alojamento local «porque, pelo menos para uma parte da cidade, foi positivo». E acrescenta que «o alojamento local é uma atividade que precisa de monitorização contínua, porque é muito volátil e podemos estar a contabilizar muitos registos que estão inativos».

Neutralidade carbónica até 2050 só é possível com a descarbonização dos materiais de construção

A fechar o ciclo de seminários jurídicos, no dia 23 de novembro, a PLMJ e o Imojuris promoveram a sessão “Descarbonização no setor imobiliário: um novo desafio”, uma análise às mudanças que a descarbonização impõe ao setor imobiliário.

Alcançar a neutralidade carbónica vai obrigar todos, empresas e cidadãos, a mudar de vida num horizonte temporal definido, entre 2030 e 2050. Mas, «o imobiliário e a construção vão ter de mudar mais depressa, não só porque são responsáveis por 40% das emissões, mas também porque, de outra forma, vão perder o acesso ao financiamento», alertou Abel de Barbosa Mendonça, advogado, consultor sénior na área de Imobiliário e Turismo da PLMJ.  Na opinião deste especialista, na resposta a este desafio «temos de atacar a forma como se constrói», mas também «promover e incentivar a descarbonização dos materiais». 

O alerta estendeu-se ainda à reabilitação urbana. «Esta vaga de reabilitação urbana teve em conta o certificado energético, mas ficou muito aquém nos objetivos da descarbonização e na aplicação de materiais neutros em carbono. Se não interviermos sobre estes edifícios reabilitados, eles terão um ciclo de vida muito curto. E aqui pode residir um tema muito complicado, porque estamos a falar de edificado recentemente intervencionado e em que o primeiro investimento pode ainda nem sequer estar amortizado».

Olhando para o exemplo de outros países, Alexandre Hierro, advogado, associado na área de Imobiliário e Turismo da PLMJ, destacou o exemplo da França «um dos primeiros países a considerar todo o ciclo de vida dos imóveis (construção, utilização e demolição) para aferir a pegada carbónica dos imóveis.». Mas também da China, «o primeiro país a definir quais os tipos de produtos incluídos no âmbito da certificação de materiais de construção verdes e classificados de acordo com o "Plano de Implementação da Certificação de Produtos de Materiais de Construção Verdes"». E, ainda, da Austrália que criou um sistema inovador de classificação e certificação das emissões de CO2 de materiais de construção, o NABERS.

A indústria está atenta e sabe que «quem não se adaptar fica de fora», disse Sandro Conceição, Diretor de Coprocessamento e Energias Renováveis do Grupo Cimpor. «Procurar a neutralidade carbónica não é um caminho fácil, não há tecnologia para isso, está em estudo, e requer um grande investimento», acrescentou. Na sua opinião, «muitas fábricas vão fechar porque não vão conseguir esta transição. E os primeiros a conseguir serão os vencedores, porque fazem parte do futuro».

Neste momento, especialistas e indústria acreditam que há uma grande consciencialização e esforço em alcançar os objetivos de Nearly Zero Energy Buildings (NZEB) e que para isso importa «criar incentivos fiscais e linhas de crédito, a par de subsídios para incentivar a descarbonização».