Em causa está o n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2020 (LOE 2020), aditado pelo Orçamento Suplementar, que suspende, até 31 de dezembro de 2020, a obrigação de pagamento das rendas mínimas por parte dos lojistas, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista, além de todas as despesas contratualmente acordadas, designadamente as referentes a despesas e encargos comuns.
A medida originou severas críticas por parte dos proprietários dos centros comerciais e de outros operadores do setor, motivando a apresentação, a 16 de setembro, de uma queixa da APCC na Provedoria de Justiça, «denunciando a inconstitucionalidade do referido normativo».
Em comunicado, a APCC informa que «apelou à Senhora Provedora de Justiça para que ‘tome em consideração as preocupações manifestadas, diligenciando juntos dos órgãos estaduais competentes para correção de uma situação que se reputa injusta, pouco clara, e de duvidosa compatibilidade constitucional e, caso assim o considere adequado, possa, em qualquer caso, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da norma’».
A associação, presidida por António Sampaio de Mattos, fundamenta o apelo nos pareceres jurídicos elaborados por reputados constitucionalistas, como Jorge Miranda, Rui Medeiros e Jorge Reis Novais, que apontam para a inconstitucionalidade daquela norma.
Segundo o documento apresentado na provedoria, que sintetiza os referidos pareceres, o n.º 5 do artigo 168.º-A da LOE 2020 «conduz a situações de manifesta e profunda injustiça material, que suscitam dúvidas de constitucionalidade assinaláveis por violação, entre o demais, de direitos, liberdades e garantias». A norma em questão «reflete a ilegitimidade da intervenção legislativa do Estado no plano de relações jurídico-privadas, comprimindo ilegitimamente direitos, liberdades e garantias e assim conduzindo a uma especial oneração dos proprietários dos centros comerciais na sua relação com os lojistas», refere o mesmo documento.
Para o presidente da APCC, os pareceres apresentados indicam que a isenção concedida aos lojistas consubstancia «uma interferência direta do Estado em contratos privados, anulando ou limitando as soluções de consenso a que lojistas e centros comerciais pudessem chegar, e impõe um prejuízo sério e injustificado na esfera patrimonial dos proprietários dos centros comerciais».
É ainda apontado, com «especial perplexidade», o facto de a norma se aplicar apenas aos contratos de utilização de loja em centros comerciais, excluindo contratos de arrendamento com fins comerciais, como é o caso das lojas de rua.
APCC rejeita a retroatividade da lei
A APCC sustenta ainda a não retroatividade deste regime especial, contrariamente à posição defendida pelos lojistas no sentido da aplicação retroativa da norma em apreço a março deste ano, mês em que a pandemia provocou a paralisação da atividade.
Segundo os constitucionalistas consultados, «não há dúvidas que a Lei entrou em vigor no dia 25 de julho de 2020, sendo manifesta e cristalina a sua aplicação não retroativa (por só abranger rendas futuras) a contratos já celebrados e em execução». De acordo com os autores dos pareceres, não podem existir quaisquer efeitos retroativos da norma, «sendo esta, de resto, a única interpretação compatível com a proibição de retroatividade das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa», refere o documento entregue na Provedoria de Justiça.