As recentes alterações legislativas em matéria de arrendamento urbano deram o mote ao 10º Seminário Imojuris, no dia 28 de março, na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa. Conduzida pelos advogados da área de prática de imobiliário da Garrigues, a sessão teve o apoio da UCP e da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), e contou com a participação especial da deputada Helena Roseta, ex-coordenadora do Grupo de Trabalho Parlamentar da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades, e da professora Ana Afonso, da Faculdade de Direito do Porto da UCP.
Sob o olhar atento de uma audiência composta por mais de uma centena de participantes, Helena Roseta foi peremptória: «quando me dizem que a lei devia ser estável, eu digo ‘sim, mas o mercado não está estável’». Para a deputada, a sucessão de alterações legislativas reflete «o impacto do mercado de arrendamento urbano na atividade parlamentar». Na sua perspetiva, «tudo o que foi feito em matéria de alterações legislativas ao arrendamento urbano na atual legislatura foi sob pressão do mercado, que se desregulou completamente», afirmou.
A deputada recordou a aprovação da Lei n.º 30/2018, de 16 de julho, que aprovou o regime extraordinário e transitório de proteção de inquilinos mais vulneráveis, pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos. Nos casos abrangidos por este regime, os senhorios só podem opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato de arrendamento para dar resposta à necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau. De natureza transitória, este regime vigorou até 31 de março de 2019, estando atualmente em vigor a nova lei, publicada em fevereiro deste ano, e que «opera aquele regime, mas de forma definitiva», resumiu Helena Roseta. A deputada referia-se à Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que veio alterar, entre outros diplomas, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), estabelecendo um conjunto de medidas destinadas a «proteger arrendatários em situação de especial fragilidade».
«Com muito esforço», reconheceu a deputada, «foi também aprovada uma legislação de alívio fiscal», em vigor desde 10 de janeiro. Trata-se da Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, que introduz taxas autónomas diferenciadas de IRS para os rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento a partir de dois anos. Trata-se de uma medida com «um valor simbólico», considera a deputada, notando que «mostra um sinal, uma vontade, ainda que apenas isso».
Para Ana Afonso, especialista em arrendamento urbano e professora de direito da UCP, «ainda é muito cedo» para avaliar o impacto destas alterações. Do conjunto de diplomas publicados desde o início do ano, esta conceituada especialista destacou a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que introduziu diversas alterações ao Código Civil, nomeadamente no que diz respeito à mora do locatário, à forma e aos prazos de duração do contrato de arrendamento, à resolução do contrato pelo senhorio, às regras de oposição à renovação e denúncia, assim como ao NRAU, nomeadamente no que se refere às normas transitórias aplicáveis aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU ou antes da sua entrada em vigor.
Mónica Pimenta, advogada da Garrigues, apresentou, por seu turno, as principais alterações ao Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados, nomeadamente a suspensão do contrato de arrendamento para a realização de obras de remodelação ou restauro profundos e o novo regime de execução de obras pelo arrendatário em substituição do senhorio.
Já Mariana d’Almeida Ribeiro, também da Garrigues, comentou o novo regime que proíbe e pune o assédio no arrendamento, introduzido pela Lei n.º 12/2019, de 12 de Fevereiro, o qual, na sua opinião, traduz um «fortalecimento da posição do arrendatário face ao senhorio». A advogada apresentou também o novo procedimento de injunção em matéria de arrendamento. A este propósito, Helena Roseta referiu que em sede parlamentar defendeu que «deveria existir um balcão único, com uma secção para senhorios e outra para inquilinos». Sucede que, «a esquerda não queria o primeiro e a direita não queria o segundo» e acabaram por se criar os dois balcões de forma separada. «É o resultado da ‘geringonça’», rematou.
A sessão prosseguiu com uma mesa de debate moderada por Tiago Cabral, diretor do Imojuris, e que contou com as intervenções de Helena Roseta, Ana Afonso, Mónica Pimenta, Mariana d’Almeida Ribeiro e Jorge Salvador Gonçalves, sócio da Garrigues. A audiência, constituída maioritariamente por senhorios e investidores, manifestou preocupação com as alterações introduzidas e apontou dificuldades de interpretação de algumas normas da lei, mormente das disposições transitórias da Lei 13/2019. Os juristas intervenientes também reconheceram essas dificuldades, pairando dúvidas sobre como vai reagir o mercado a estas alterações.