A avaliação e reavaliação de imóveis para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) poderá ser atribuída às Câmaras Municipais e sair da esfera de competência da Autoridade Tributária.
No âmbito da política de descentralização de competências da administração direta e indireta do Estado para as autarquias locais, o governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 62/XIII que prevê a transferência das «competências em matéria de avaliação e reavaliação de imóveis dos serviços de finanças para os órgãos municipais, nomeadamente no que concerne à iniciativa para avaliação, designação de peritos avaliadores e decisão de reclamações».
O objetivo desta medida é «promover a descentralização das competências atualmente exercidas pela administração direta do Estado no âmbito da avaliação do património imobiliário para efeitos fiscais», pode ler-se no diploma. Se a proposta for aprovada, o governo fica autorizado a introduzir, no prazo de 180 dias, as necessárias alterações no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
De acordo com a mesma Proposta de Lei será também competência dos órgãos municipais, gerir o património imobiliário público sem utilização, afeto à administração direta e indireta do Estado, incluindo partes de edifícios.
No âmbito da habitação são também previstas medidas com um impacto muito expressivo.
É o caso da atribuição aos órgãos municipais da competência para gerir os programas de apoio ao arrendamento urbano e à reabilitação urbana.
Por outro lado, o diploma prevê também a transferência para os municípios, através de diploma próprio, da titularidade e gestão «dos bens imóveis, destinados a habitação social, que integram o parque habitacional da administração direta e indireta do Estado». As condições de utilização e transferência, oneração e alienação destes imóveis serão definidas por decreto-lei.
Transferência de competências para as autarquias gera reações distintas
A Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) encara com muita relutância a alteração das regras de avaliação dos imóveis, em sede de IMI. «Alterações desta natureza raramente resultam em ganhos de receitas fiscais, mas têm implicações imediatas nos níveis de confiança», alerta o presidente da CPCI, Manuel Reis Campos, em comunicado.
Para o presidente da CPCI «falar de Valor Patrimonial Tributário é falar de uma base de cálculo dos imóveis que é utilizada para diversos fins. Desde aqueles que constituem receitas das Câmaras, como é o caso do IMI e do IMT, passando por outros, que representam tributos da administração central, como o IRS, IRC, IVA, Imposto sobre Sucessões e Doações, Imposto de Selo, para terminar na determinação dos valores a considerar para efeitos de expropriações, de atualização das rendas no âmbito do NRAU, penhoras e cálculo da derrama». Pelo que, «toda e qualquer alteração a este nível tem de ser devidamente ponderada e justificada» alerta o responsável, considerando que «não podemos discutir soluções que passam, sem mais, pela atribuição de competências a uma determinada entidade, sem antes ter presente as implicações que as mesmas têm». E deixa algumas interrogações: «Vai existir uma duplicação? Ou seja, uma avaliação para efeitos de determinados impostos e outra para outros? Os critérios vão ser os mesmos? Ou vão poder ser definidos por cada uma das 308 autarquias?».
A Confederação salienta também «que as reclamações passarão a ser decididas em causa própria», o que contenderá com os «princípios de isenção e imparcialidade».
Também a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) assume clara oposição à transferência de competências, considerando que a alteração vai traduzir-se em novo agravamento do IMI. Em comunicado, a Associação diz opor-se «frontalmente a que a competência de avaliação dos imóveis para efeitos tributários em sede de IMI seja delegada nas autarquias», considerando «a falta de isenção das autoridades locais, que são as beneficiárias das receitas de IMI».
A concretizar-se a alteração, a Associação alerta que «a medida vai produzir um conjunto de arbitrariedades, e de regras e critérios distintos de concelho para concelho». A ALP diz ainda que «vai bater-se nas instituições próprias contra esta delegação de competências, no seu papel de mais representativa instituição dos proprietários urbanos a nível nacional».
O presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado, também se mostrou reticente em relação a esta medida, considerando que «não há necessidade de estarmos, no âmbito de um processo de descentralização ou outro, a assumir responsabilidade onde seria sempre suscetível de dúvidas». O mesmo responsável, citado pela Dinheiro Vivo, afirmou que «o trabalho tem sido partilhado. Temos participado na definição dos coeficientes, na determinação dos coeficientes de localização, de aspetos técnicos relevantes. O resto do trabalho tem sido feito, bem, pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.
A Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários (ANAI) adota uma posição mais moderada. Admite aspetos positivos na transferência de competências, mas não exclui alguns riscos. Em declarações ao Público, a direção da ANAI admite que a transferência «pode constituir uma mais-valia para os titulares [proprietários] de imóveis, na medida em que garante uma maior proximidade local com os decisores», mas ressalva «a necessidade de serem exigidos e garantidos os procedimentos, as normas de conduta ao Perito Avaliador de Imóveis».
A Proposta de Lei do Governo começou a ser discutida na Assembleia da República no dia 16 de março. Vários partidos apresentaram também sugestões sobre a matéria sendo previsível que algumas venham a ser acolhidas durante a discussão na especialidade. As associações representativas dos municípios e das freguesias darão também o seu contributo a esta discussão.