O Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE) querem instituir a obrigatoriedade das instituições bancárias refletirem a descida da Euribor nos contratos de crédito à habitação e ao consumo. A medida, a ser aprovada, não terá efeitos retroativos.
Quase três anos depois da Euribor ter chegado a terreno negativo, o Projeto de Lei n.º 90/XIII do Grupo Parlamentar do BE, apresentado em 2016, volta a estar no centro da discussão parlamentar, agora com o apoio do PS.
Este Projeto de Lei visa impor uma regra às partes no contrato de crédito, pela qual, quando o indexante atinge valores negativos, esses valores terão de ser sempre refletidos na taxa de juro efetivamente cobrada pelo banco o que pode, em alguns contratos, ‘anular’ o spread e, eventualmente, traduzir-se num valor negativo de taxa de juro. O objetivo desta alteração é, assim, «regular e disciplinar a atitude das instituições de crédito, protegendo os clientes bancários, em particular os que contraíram ou virão a contrair empréstimos junto da banca a operar em Portugal», pode ler-se na exposição de motivos daquele Projeto de Lei. Para o efeito, o diploma estabelece «a obrigação de aplicação de taxa de juro negativa aos contratos de mútuo, celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento e para aquisição de terrenos para construção de habitação própria, quando for indexada a um determinado índice de referência e este assuma valores negativos».
Entretanto, na passada semana, o PS anunciou em conferência de imprensa, através do seu porta-voz João Galamba, ter chegado a acordo com o BE sobre esta matéria. Na ocasião, o deputado socialista, citado pelo Público, referiu ter-se chegado a «uma solução equilibrada, simultaneamente preservando a estabilidade da banca em matéria de rácios de solvabilidade e a salvaguarda dos direitos dos clientes». Uma das principais alterações ao texto inicial diz respeito à criação de um crédito de juros do cliente bancário, que apenas será abatido quando a Euribor subir e voltar a terreno positivo. «Esta solução não expõe os bancos a uma perda imediata, mas garante que, quando os juros subirem - e os bancos já tiverem um juro positivo a cobrar -, o crédito anteriormente constituído abate a esse juro», explicou o deputado socialista.
Bancos revelam descontentamento com as novas regras
Quando a iniciativa legislativa deu entrada na Assembleia da República, a Associação Portuguesa de Bancos, em sede de audição parlamentar promovida pelo Grupo de Trabalho da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, defendeu que a regra de aplicar uma taxa de juro negativa quando o indexante atinge valores negativos é «intrinsecamente incompatível com a natureza do contrato celebrado – contrato de mútuo oneroso – na medida em que se traduziria na eliminação da contrapartida da instituição de crédito pela cedência de fundos». Ou seja, «a natureza onerosa do contrato não admite taxas de juros negativas». E acrescenta que «o spread é a contrapartida pelo risco da operação, pelo que não deverá ser comprometido pela aplicação de um valor negativo do indexante já que o risco da operação não se altera».
A ser aprovado, o diploma não terá efeitos retroativos, ou seja, as novas regras apenas serão aplicáveis aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor e aos contratos em execução a partir da refixação da taxa de juro, que deverá ocorrer logo após o início da sua vigência. Essa aplicação não retroativa, na prática, acaba por limitar os seus efeitos, dado que, até à entrada em vigor das novas regras, poderá decorrer o tempo suficiente para o indexante, que já evidencia sinais de retoma, evoluir para valores positivos.