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CNPD considera inconstitucional impor a menção da forma de pagamento nos contratos de compra e venda de imóveis

| 22-05-2017
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) apresentou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um parecer em que considera que a medida proposta pelo Governo se traduz «numa restrição dos direitos fundamentais dos cidadãos». 

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) apresentou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um parecer em que considera que a medida proposta pelo Governo se traduz «numa restrição dos direitos fundamentais dos cidadãos».

O Governo quer que notários e outras entidades com competência para lavrar ou autenticar contratos de compra e venda de bens imóveis passem a indicar no contrato, sempre que em causa esteja o pagamento de uma quantia, o momento em que tal ocorre e o meio de pagamento utilizado.

Esta medida, prevista na Proposta de Lei n.º 71/XIII, que aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo e transpõe o Capítulo III da Diretiva da UE n.º 2015/849, de 20 de maio de 2015, está integrada num conjunto de iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo à Assembleia da República, no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Na sequência da apresentação da Proposta de Lei, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias dirigiu pedidos de parecer a diversas entidades, designadamente à CNPD, que, no seu parecer, de caráter não vinculativo, alerta para o risco de inconstitucionalidade das alterações preconizadas na Proposta de Lei. 

De acordo com o parecer apresentado pela CNPD, exigir-se, quando se trata de pagamento através da realização de uma transferência de fundos, «a identificação da conta do ordenante e da conta do beneficiário, mediante a menção dos respetivos números e prestadores de serviços de pagamento» ou obrigar à «menção do identificador único da transação ou do número do instrumento de pagamento utilizado e do respetivo emitente», quando o ordenante ou o beneficiário não realize a transferência através de uma conta de pagamento, são alterações que alargam «de forma significativa o universo de dados pessoais tratados» e que «não parecem corresponder à transposição de alguma norma da Diretiva (EU) 2015/849, e seguramente não decorrem do disposto no capítulo III da Diretiva», sendo que a referida transposição seria precisamente a finalidade da Proposta de Lei. 

A CNPD sublinha que em causa estão «dados pessoais sensíveis», na medida em que o nível de detalhe da informação sobre o pagamento do preço é suscetível de revelar «não apenas os rendimentos das pessoas envolvidas», mas também expor «eventuais relações pessoais que ligam os diferentes intervenientes no processo de pagamento». Com efeito, estes dados recolhidos e registados em escritura pública ou em documento notarial equivalente «passarão a constar de um documento público, de acesso livre». A CNPD entende, por isso, ser «imprescindível avaliar da proporcionalidade» da medida legislativa proposta, tendo em conta que a mesma «consubstancia uma restrição aos direitos fundamentais à reserva da vida privada e à proteção reforçada dos dados pessoais de todas as pessoas que realizem toda e qualquer transação onerosa de bens sujeita a registo», qualificando mesmo como «desnecessário e excessivo este tratamento de dados pessoais, por abranger todo e qualquer cidadão que participe na compra e venda de um imóvel, independentemente do valor do imóvel (…)» e por passar «a constar de um documento público» a «informação relativa aos intervenientes na operação bancária (…) que podem não coincidir com as partes no contrato».

Em suma, a CNPD conclui que a medida legislativa proposta pelo Governo viola o disposto no artigo 18º nº 2 da Constituição, na medida em que constitui «uma restrição dos direitos fundamentais dos cidadãos (…) que não parece ser a única via possível de prevenir ou combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, e implica objetivamente uma exposição excessiva da vida privada dos mesmos».

Não obstante as reservas colocadas pela CNPD, quer a Proposta de Lei n.º 71/XIII (em que se inclui esta medida) quer a Proposta de Lei n.º 72/XIII foram já aprovadas na generalidade, e por unanimidade, na Assembleia da República, no dia 11 de maio, e baixaram à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, para discussão na especialidade.