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Centros comerciais descontentes com a ingerência do Estado na relação com os lojistas

Fernanda Cerqueira | 10-11-2020
A suspensão do pagamento das rendas mínimas pelos lojistas de centros comerciais, aprovada em julho com o Orçamento Suplementar, gerou uma onda de descontentamento num setor que sempre foi marcado pela estabilidade.
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Este é «um tema importante e sensível», fez questão de referir a advogada Rita Xavier de Brito, que falava durante o Webinar IMOJURIS sobre ‘os impactos da pandemia no investimento e na exploração de centros comerciais’, no dia 4 de novembro.

As principais questões jurídicas levantadas pelo tema e o respetivo enquadramento legal foram objeto de uma cuidada análise pelos advogados e sócios da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, Francisco da Cunha Ferreira e Rita Xavier de Brito, num Webinar que teve o apoio da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), que se fez representar pelo seu Vice-Presidente Executivo, Hugo Santos Ferreira, e que contou ainda com as participações de João Cristina, Diretor em Portugal da Merlin Properties, Luís Arrais, Diretor de Retail Property da CBRE, Luís Mota Duarte, CFO da Sonae Sierra, num painel moderado por Tiago Cabral, Diretor do IMOJURIS.

Para perceber este tema temos de recuar ao dia 24 de julho, data da publicação da Lei n.º 27-A/2020 (Orçamento Suplementar para 2020), no âmbito da qual foi aprovada uma medida legislativa (o n.º 5 do artigo 168.º-A da LOE 2020) que determina, por referência aos casos em que sejam aplicáveis formas específicas de contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, que não são devidos quaisquer valores a título de rendas mínimas até 31 de dezembro de 2020.

Uma medida que, volvidos mais de três meses sobre a sua entrada em vigor, continua a gerar dúvidas de interpretação, quer no que respeita ao seu âmbito de aplicação (objetivo, subjetivo e temporal), quer ao nível da própria constitucionalidade da norma. Rita Xavier de Brito admitiu que «há vários aspetos que nos levam a questionar a bondade desta medida».

Para Hugo Santos Ferreira, Vice-Presidente Executivo da APPII, o setor dos centros comerciais «é da máxima relevância para Portugal». Segundo o responsável da APPII, «o setor já captou um investimento internacional na ordem dos 2,7 mil milhões de euros e tem um potencial de investimento de 2,5 mil milhões de euros», sendo que «representa 100 mil postos de trabalho diretos e 200 mil postos de trabalho indiretos».

Já João Cristina contou que, à semelhança dos demais proprietários, a Merlin Properties adotou uma série de medidas comerciais que foram muito bem aceites pelos operadores, «mas depois assistimos a uma profusão de normas que trouxeram problemas de interpretação».

O responsável da Merlin Properties em Portugal, sublinhou ainda a importância de «perceber que não é inócua esta transferência entre remuneração mínima e remuneração variável». Em Portugal, os centros comerciais têm, «regra geral, dois tipos de remuneração: uma remuneração mínima garantida, também conhecida por remuneração fixa, e depois temos a remuneração variável. A remuneração mínima garantida é tipicamente uma remuneração mais alta, que garante ao proprietário um rendimento recorrente. E depois temos a remuneração variável que se aplica caso haja uma performance excecional da loja. Tanto assim é que, se nós só olhássemos para a componente variável, a remuneração recebida pelo proprietário desceria entre 30 a 50%», explicou.

Por seu lado, Luís Arrais, da CBRE, considera que o artigo 168.º-A, n.º 5, «não estabelece uma relação equilibrada». Isto porque, concretiza, «com a aplicação do 168.º-A, n.º 5, o risco deixou de estar no lojista, o risco passou para o proprietário porque o lojista tem um custo que é diretamente proporcional ao nível de vendas que tem na sua atividade». E chamou a atenção para a existência de «lojistas que estão a subir o nível de vendas, comparativamente a 2019, e cujo valor de renda à data de hoje é inferior ao que pagavam em 2019». E concluiu, dizendo que «isto revela que a legislação não é equitativa e não cumpre aquela que era a intenção de equilibrar a relação entre as partes».    

Já Luís Mota Duarte, CFO da Sonae Sierra, adiantou que, «neste momento, os lojistas em Portugal de centros comerciais são os que têm o maior e melhor pacote de apoio de toda a Europa e do mundo ocidental».

Centros comerciais querem regressar à estabilidade

No momento em que a medida entrou em vigor, Luís Mota Duarte contou que, a Sonae Sierra, à semelhança da Merlin Properties, tinha «a maioria dos acordos estabelecidos com os lojistas» e que «a lei criou uma enorme instabilidade». Na sua opinião, a medida «agravou as dificuldades financeiras dos centros comerciais, criadas pela pandemia». E revelou, a este propósito, que a Sonae Sierra «registou perdas de 56 milhões de euros nos três meses, de abril, maio e junho». 

Hugo Santos Ferreira reconheceu que esta e outras medidas foram tomadas num contexto muito excecional, de «estado de necessidade e de auxílio», e «feitas sob pressão». Contudo, sublinhou que nem por isso deixam de representar «uma grave ingerência do Estado» nas relações entre privados, esperando que tal «não volte a acontecer, pelo bem do país e pelo bem da captação de investimento estrangeiro». Alertou também para a inconstitucionalidade, por violação dos princípios do estado de direito, que a aplicação retroativa daquela norma representaria.

Luís Arrais acredita que o setor dos centros comerciais vai «certamente ultrapassar esta situação», ainda que considere que esta intervenção legislativa «ficará na mente de todos os investidores e que a situação vai demorar algum tempo a sanar».

Projetando já o próximo ano, João Cristina adiantou que, na Merlin Properties, «estamos a agilizar uma nova política comercial para apoiar os nossos lojistas durante o primeiro semestre do ano que vem. Estamos a antecipar o poder legislativo porque é do interesse de todos que os centros comerciais operem e operem bem», concluiu. 

Esta sessão marcou o início do ciclo de Webinars IMOJURIS, o fórum de excelência dos profissionais do setor para debater os temas mais prementes da atualidade jurídica do imobiliário.

Veja AQUI o vídeo completo da sessão.