O Governo fez publicar no dia 23 de junho, em Diário da República, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 que aprova o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores garantido por hipoteca ou outro direito sobre imóvel. O novo regime entra em vigor a 1 de janeiro de 2018.
Ultrapassada a situação de incumprimento que marcou o processo de transposição da Diretiva 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, o Governo aprovou e fez publicar o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, que procede à transposição parcial para a ordem jurídica interna da referida diretiva, regulando os seguintes contratos de crédito celebrados com consumidores:
- Contratos de crédito para a aquisição ou construção de habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento;
- Contratos de crédito para aquisição ou manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios já existentes ou projetados;
- Contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente habitualmente utilizada sobre imóveis, ou garantidos por um direito relativo a imóveis.
O diploma aplica-se também, com algumas exceções nele prevenidas, aos contratos de locação financeira de bens imóveis para habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento.
Excluídos do âmbito de aplicação deste regime estão, entre outros, os contratos de crédito cuja finalidade seja financiar a realização de obras e que não estejam garantidos por hipoteca ou por outro direito sobre coisa imóvel, os quais passam a estar sujeitos às disposições do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, relativo aos contratos de crédito aos consumidores.
Deveres de informação pré-contratual são reforçados
A Diretiva n.º 2014/17/UE estabelece um quadro normativo comum no espaço da União Europeia (UE) no que respeita ao mercado de crédito para imóveis, «com vista a assegurar um nível adequado de tutela dos interesses dos consumidores que celebram crédito hipotecário» e, assim, promover «o desenvolvimento de um mercado de crédito mais transparente, eficiente e competitivo dentro do mercado interno», pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 74-A/2017. Neste contexto, são reforçados os deveres de prestação de informação pré-contratual aos consumidores, através da criação da Ficha de Informação Normalizada Europeia (FINE).
Os mutuantes ou intermediários de crédito deverão, assim, passar a disponibilizar aos consumidores «a ficha de informação normalizada elaborada com base na informação por estes apresentada, com a simulação das condições do contrato de crédito, que pode ser realizada aos balcões do mutuante ou do intermediário de crédito, através dos seus sítios na Internet ou por qualquer outro meio de comunicação à distância». Por outro lado, e em simultâneo com a comunicação da aprovação do contrato de crédito, «os mutuantes devem entregar aos consumidores uma ficha de informação normalizada que incorpore as condições do contrato de crédito aprovadas, acompanhada da minuta do contrato de crédito». Todas estas informações deverão ser prestadas, em papel ou noutro suporte duradouro, através da FINE.
Além desta «informação pré-contratual personalizada», os mutuantes e, se for o caso, os intermediários de crédito vinculados, deverão também disponibilizar «em permanência, nos seus sítios na Internet, informação geral clara, verdadeira, completa, compreensível e legível sobre os contratos de crédito», informação esta, de caráter geral, que deverá ainda «ser disponibilizada em suporte papel ou outro suporte duradouro, mediante solicitação dos consumidores nos balcões dos mutuantes». Esta informação geral deve incluir, nomeadamente: a identidade do prestador das informações bem como o seu endereço geográfico e eletrónico, e respetivos contactos telefónicos; os tipos de garantias; os tipos de Taxa Anual Nominal (TAN) e se a mesma é fixa, variável ou uma combinação de ambas, acompanhada de uma breve descrição das caraterísticas da taxa fixa e da taxa variável, incluindo a identificação do indexante, do respetivo administrador e as suas potenciais implicações para o consumidor; um exemplo representativo que inclua o montante total do crédito, o custo total do crédito para o consumidor, o montante total imputado ao consumidor e a Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG); a indicação de outros custos não incluídos no custo total do crédito para o consumidor, a pagar no âmbito do contrato de crédito; o leque das diferentes opções disponíveis para o reembolso do crédito ao mutuante; a descrição das condições aplicáveis ao reembolso antecipado, entre outros elementos.
O mutuante e, se for o caso, o intermediário de crédito, passará também a ter um «dever de assistência ao consumidor», devendo esclarecê-lo de modo adequado e de forma a «colocá-lo em posição que lhe permita avaliar se o contrato de crédito proposto e os eventuais serviços acessórios se adaptam às suas necessidades e à sua situação financeira».
O Decreto-Lei n.º 74-A/2017 expressamente prevê que toda a informação a prestar pelos mutuantes deverá ser «completa, verdadeira, atualizada, clara, objetiva e adequada aos conhecimentos do consumidor individualmente considerado».
Além das normas relativas à prestação de informação pré-contratual, a Diretiva 2014/17/UE inclui também, entre «as disposições que são objeto de harmonização imperativa», o cálculo da TAEG. A equação de base que define a TAEG está explicitada no Anexo II do Decreto-Lei n.º 74-A/2017 e traduz a equivalência entre a utilização do crédito, por um lado, e os reembolsos e encargos, por outro.
Mutuante e consumidor podem sujeitar contrato de crédito a regras especiais
Na negociação do contrato de crédito, o mutuante deve ainda informar o consumidor da possibilidade de sujeitar o contrato, por acordo expresso entre as partes, a duas regras especiais concretamente definidas no diploma.
Uma consiste na possibilidade de «ser apenas constituído seguro de vida do consumidor e de outros intervenientes no contrato de crédito e seguro sobre o imóvel, em reforço da garantia de hipoteca». E outra admite a previsão expressa de que «a venda executiva ou dação em cumprimento do imóvel na sequência de incumprimento do contrato de crédito, pelo mutuário, o exonera integralmente e extingue as respetivas obrigações no âmbito do contrato, independentemente do produto da venda executiva ou do valor atribuído ao imóvel para efeitos da dação em cumprimento ou negócio alternativo».
Período mínimo de reflexão de sete dias antes da celebração do contrato
Dada a importância da transação inerente ao contrato de crédito hipotecário, o novo regime procura assegurar que os consumidores disponham de um prazo suficiente para compararem propostas, avaliarem as implicações da contratação do crédito e tomarem uma decisão informada. Nesse sentido, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 estabelece que «o mutuante permanece vinculado à proposta contratual feita ao consumidor durante um prazo mínimo de 30 dias contados». Acresce a imposição de um período mínimo de reflexão de sete dias, período durante o qual o consumidor não pode aceitar a proposta contratual. Também o fiador beneficia deste período mínimo de reflexão, antes da celebração do contrato, para que possa ponderar as implicações da concessão da fiança.
Avaliação mais rigorosa da solvabilidade do consumidor
Antes da celebração do contrato de crédito, o mutuante deverá avaliar a solvabilidade do consumidor, verificando a sua «capacidade e propensão para o cumprimento do contrato de crédito».
De acordo com o novo regime, «a avaliação de solvabilidade deve basear-se em informação necessária, suficiente e proporcional sobre os rendimentos e as despesas do consumidor e outras circunstâncias financeiras e económicas que lhe digam respeito». Esta avaliação «não deve basear-se predominantemente no valor do imóvel que excede o montante do crédito nem no pressuposto de que o imóvel se irá valorizar», exceto se a finalidade do contrato for a construção ou a realização de obras no imóvel. O mutuante deve, além disso, proceder à consulta das bases de dados de responsabilidades de crédito e, complementarmente, pode consultar a lista pública de execuções ou outras bases de dados que considere úteis para a avaliação da solvabilidade do consumidor.
Avaliações independentes e agentes imparciais
A avaliação do imóvel deve ser realizada por perito avaliador independente registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O consumidor pode apresentar ao mutuante uma reclamação escrita relativamente aos resultados e fundamentação da avaliação ou requerer a realização de uma segunda avaliação. Quando a reavaliação seja por iniciativa do mutuante, não podem ser cobrados quaisquer encargos ou despesas ao consumidor.
O novo regime determina também que a política de remuneração dos trabalhadores dos bancos envolvidos na concessão de crédito deve incluir medidas destinadas a evitar conflitos de interesse, «nomeadamente estabelecendo que a remuneração, incluindo eventuais comissões, não depende, direta ou indiretamente, de qualquer aspeto relacionado com os pedidos de crédito aprovados ou contratos de crédito celebrados, designadamente do seu número ou percentagem mensal ou anual por trabalhador, montantes, tipo, taxa aplicável». O objetivo é «limitar práticas de venda inadequadas» e garantir que a forma de remuneração «não prejudica o cumprimento dos deveres de diligência, neutralidade e lealdade».
Por outro lado, os mutuantes devem assegurar que os seus trabalhadores «possuem e mantêm atualizado um nível adequado de conhecimentos e competências, no que se refere à elaboração, comercialização e celebração dos contratos de crédito (…) bem como relativamente aos serviços acessórios».
No plano contencioso, o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 prevê a obrigação de disponibilização de meios de resolução extrajudicial de litígios, quer para o crédito hipotecário, quer para o demais crédito aos consumidores, através da adesão dos mutuantes a, pelo menos, duas entidades habilitadas a realizar arbitragens.
Percentagem de casas compradas com recurso a crédito em máximos de 6 anos
De acordo com os últimos dados do INE – Instituto Nacional de Estatística, no primeiro trimestre deste ano foram transacionadas 35.178 habitações, que totalizaram 4.312 milhões de euros, o valor mais elevado desde o início da série em 2009. De acordo com Banco de Portugal (BdP), citado pelo Jornal de Negócios, o valor das novas operações de crédito à habitação ascendeu a 1.790 milhões de euros naquele período. O cruzamento destes dados revela que do volume total de negócios realizados, entre janeiro e março deste ano, 41,5% foram concretizados com recurso ao crédito, a percentagem mais elevada desde o terceiro trimestre de 2011.
O aumento da procura e as condições de oferta de crédito menos restritivas sustentaram o crescimento dos empréstimos no primeiro trimestre deste ano e, para o segundo trimestre, os bancos preveem «a manutenção dos critérios de concessão de crédito relativamente aos empréstimos para aquisição de habitação». A informação consta do último inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito, que destaca o nível geral baixo das taxas de juro e as perspetivas favoráveis no mercado de habitação como os principais impulsionadores desta procura.