O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 319/2018, de 20 de junho, declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas do Regime Jurídico da Segurança contra Incêndio em Edifícios (SCIE) relativas à responsabilidade pela elaboração de projetos de segurança contra incêndio em edifícios e medidas de autoproteção.
Na sequência do pedido de fiscalização sucessiva do Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos números 1 a 3 do artigo 16.º do SCIE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, tanto na redação vigente (conferida pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro), quanto na sua versão originária.
Em causa estão as normas sobre a delimitação subjetiva da elaboração dos projetos de segurança contra incêndios em edifícios e das respetivas medidas de autoproteção, que determinam que a responsabilidade pela elaboração dos projetos de SCIE tem de ser assumida por arquitetos, engenheiros ou engenheiros técnicos reconhecidos pelas respetivas ordens profissionais, com certificação de especialização declarada para o efeito.
O Provedor de Justiça requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade destas normas, na medida em que este dispositivo legal «claramente delimita o âmbito pessoal do exercício profissional da atividade em causa, restringindo a liberdade de quem não satisfaça os requisitos inovatoriamente estabelecidos em 2008 e alargados em 2015». É que, para o Provedor de Justiça, a alteração de 2015 «apenas ampliou o universo de hipóteses nas quais a responsabilidade pela elaboração dos projetos de segurança contra incêndio em edifícios e das correspondentes medidas de autoproteção deve ser assumida exclusivamente por especialistas integrados na OA [Ordem dos Arquitetos], na OE [Ordem dos Engenheiros] ou na OET [Ordem dos Engenheiros Técnicos] e que sejam reconhecidos por estas associações profissionais».
Os juízes do Tribunal Constitucional consideraram que «o estabelecimento de tais requisitos, ainda para mais relativamente a todos os tipos de recintos e edifícios, constitui um entrave ao acesso à atividade profissional em questão - e, seguramente, uma limitação ao exercício das profissões de arquiteto, engenheiro e engenheiro técnico», pelo que, teria «de constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei por esta autorizado». Não tendo isso sucedido, «são as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, na sua versão originária, organicamente inconstitucionais, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição». Do mesmo modo, o Decreto-Lei n.º 224/2015 foi emitido no âmbito da competência legislativa primária do Governo, pelo que, «as normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, na redação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, constituem, da parte do Governo, uma invasão da competência legislativa da Assembleia da República» e são, assim, também «organicamente inconstitucionais, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição».
Notificado para se pronunciar sobre o pedido, enquanto órgão autor das normas sindicadas, o Primeiro Ministro, em representação do Governo, apresentou resposta requerendo que, caso fosse declarada a inconstitucionalidade, fossem limitados os efeitos dessa declaração, por razões de segurança jurídica e de interesse público de excecional relevo, devendo ser preservados os efeitos jurídicos já produzidos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e, consequentemente, projetar-se os efeitos dessa decisão exclusivamente para o futuro.
Contudo, o Tribunal Constitucional não acolheu este pedido e decidiu não limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Para os juízes do Tribunal Constitucional, «não tendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas ora sindicadas por efeito a afetação da validade dos projetos de SCIE e medidas de autoproteção já elaborados, nem dela resultando qualquer interferência com a observância das condições materiais e técnicas e do regime de controlo e fiscalização a observar nos termos do diploma aplicável em matéria de SCIE, que corporizam a tutela do alegado interesse público em causa, há que concluir, no caso dos presentes autos, pela inexistência dos invocados fundamentos (segurança jurídica e interesse público de excecional relevo) para a requerida limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral».