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Especialistas aguardam com expetativa a concretização do choque fiscal anunciado pelo Governo

Imojuris | 14-11-2025
Fiscalistas duvidam da possibilidade de aplicação retroativa da alteração à taxa do IVA na construção. Anúncio precoce da medida poderá conduzir ao adiamento das decisões de investimento.
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As medidas anunciadas pelo Governo em matéria de fiscalidade no imobiliário, aprovadas em Conselho de Ministros a 25 de setembro, deram o mote ao seminário jurídico “Arquitetura Fiscal do Imobiliário: enquadramento atual e reformas no horizonte” promovido pelo Imojuris e a Abreu Advogados, no dia 12 de novembro, sessão integrada na programação da Semana da Reabilitação Urbana do Porto.

Entre as medidas anunciadas, destaque para a descida do IVA para 6% na construção de habitação com valor de venda até 648 mil euros, assim como na construção ou reabilitação de imóveis para arrendamento, com valor de renda até 2.300 euros, mas também a isenção de AIMI e a redução do IRS de 25% para 10% para arrendamentos até ao referido limite de renda, dita moderada.

Este primeiro grupo de medidas são medidas que se destinam a mudar a política de construção e habitacional que tem sido desenvolvida até agora”, começou por referir Mariana Gouveia de Oliveira, sócia da Abreu Advogados, interveniente no painel da conferência. O foco deixou de estar apenas “na habitação acessível e nas famílias mais carenciadas, numa política social de apoio ao inquilino através da concessão de benefícios ao senhorio para celebrar contratos de arrendamento de longo prazo”. Temos agora uma nova abordagem, que “passa a ser a de atuar sobre o mercado de uma forma transversal, excluindo só o setor do luxo” e, por essa via, “conseguir um mercado de arrendamento com um prémio bom em termos de rentabilidade sem ter que arrendar abaixo do valor de mercado, que era o que acontecia com a renda acessível”, de forma a “colocar mais casas no mercado e, com o aumento da oferta, reduzir o preço”.

A única forma que temos de baixar o preço de venda é baixar o custo”, sublinhou Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, interveniente no mesmo painel. “Há uma miopia estatística que nós temos no mercado porque as transações que nós observamos não são representativas de todos os segmentos”, prosseguiu. “Como nós só temos oferta de gama alta só vemos observações de transação em gama alta e, depois, dizemos: aquilo é o mercado. Não, aquilo é o mercado de gama alta. Nós temos três segmentos, o social, que tem o PRR e a habitação pública, a gama alta e, depois, não temos a gama média, a habitação standard, acessível. Se tivermos medidas para lançar habitação acessível vamos ter um efeito estatístico, sem qualquer desvalorização dos imóveis, em que a média do preço vai baixar”, concluiu.

Fiscalistas reticentes quanto à aplicação retroativa da taxa reduzida do IVA na construção

A eventual aplicação retroativa da taxa reduzida do IVA na construção suscita muitas dúvidas. “Em sentido técnico, não pode ser retroativo porque a taxa do IVA não se pode estar a aplicar a faturação emitida antes da entrada em vigor desta alteração”, esclareceu Mariana Gouveia de Oliveira. “E há um outro aspeto que também é claro na Diretiva IVA, e na qual o Governo não tem autonomia: é que a taxa de IVA se determina no momento da verificação do facto gerador, ou seja, no momento em que é prestado o serviço, em última análise, o momento em que é emitida a fatura”, prosseguiu a fiscalista, para quem “é inaudito uma alteração de uma taxa de IVA  aplicar-se em função da data de submissão de um princípio de um projeto, sendo que esse projeto vai incluir uma série de serviços, prestações continuadas ao longo do tempo”. O IVA é um imposto “que é alérgico a distorções, a regra básica do IVA, em termos de neutralidade, é que não se pode dar vantagens competitivas a um operador sobre outro”, concluiu a advogada.

Para Ricardo Guimarães, “reduzir o IVA é fundamental para permitir que o promotor, ficando com a margem, viabilize o projeto de construção acessível, para a gama média”. Quanto à elegibilidade do acesso ao IVA a 6% para a construção, “o que o Governo parece ter por objetivo é incluir os projetos que entrem em licenciamento, dêem entrada na câmara a partir do momento em que a lei entre em vigor”. Relativamente aos ‘valores moderados’, “julgo que o que o Governo quis dizer é que quer reduzir o IVA para todo o mercado menos para aquele que claramente não é moderado”. As medidas anunciadas pelo Governo “são agressivas, no bom sentido, vejam elas a luz do dia, mas os anúncios de medidas favoráveis para o futuro conduzem ao adiamento da decisão de investimento”.

Para o diretor da Confidencial Imobiliário, “o arrendamento é a peça que faz falta no mercado, quem não consegue entrar via compra tem o problema de que não entra via arrendamento, porque a prestação do crédito é mais baixa do que a renda para a mesma casa” e, nesse âmbito, considerou bastante positivo o pacote dirigido ao ‘Build to Rent’, “com isenções no IRS, no IRC e contratos de investimento”.

Acórdão do STA dificulta a aplicação da taxa reduzida do IVA nas empreitadas de reabilitação urbana

Em que situações é possível aplicar a taxa reduzida de IVA a uma empreitada de reabilitação urbana? Esta questão foi decidida durante algum tempo de forma contraditória pelos tribunais fiscais, especialmente em sede de arbitragem tributária, e acabou por conduzir a que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferisse, em março, um acórdão para Uniformização de Jurisprudência sobre o tema. Neste acórdão, o STA “acolheu, basicamente, o que era a posição da AT [Autoridade Tributária]”, explicou Sara Soares, sócia contratada da Abreu Advogados, na mesma ocasião.

Entendeu o STA que, até à entrada em vigor do pacote Mais Habitação, em outubro de 2023, a aplicação da taxa reduzida de 6% exigia dois requisitos cumulativos: a empreitada localizar-se numa Área de Reabilitação Urbana (ARU); e existir uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) previamente aprovada para essa mesma ARU. O que significa que, na ausência de uma ORU aprovada, a taxa a aplicar seria a normal de 23%. Entendimento este coincidente com a posição que a AT vem adotando, desde 2020, ao exigir “que ambas as condições sejam atestadas pela câmara numa certidão emitida ao sujeito passivo”.

Quanto à questão de saber se este acórdão do STA será aplicado aos processos pendentes, Sara Soares adianta que, “à partida, sim, porque embora não tenha uma força obrigatória geral, tem um valor reforçado”. Para a fiscalista, “haverá pouca margem para afastar o entendimento do acórdão do STA, mas há situações em que é possível fazer isso se, por exemplo, se considerar que há violação do princípio da confiança, quer porque havia informações vinculativas da AT no sentido da aplicação da taxa reduzida, quer porque o operador tinha um documento nas mãos emitido pela câmara que atestava a verificação das condições”.

Outro risco que resulta deste acórdão, sublinhou a advogada, “são as inspeções desencadeadas pela AT, que já estão a acontecer, para corrigir as situações em que foi aplicada a taxa reduzida de IVA, com liquidação adicional de imposto, juros compensatórios de 4% ao ano e infração tributária por falta de entrega da prestação tributária, cuja coima pode, no caso das empresas, ir até ao limite de 45 mil euros”.

Sara Soares ressalva, contudo, que “ainda há a possibilidade de discutir o tema no Tribunal Constitucional, que ainda não se pronunciou sobre esta questão” e, por isso, entende que “nem tudo está necessariamente perdido por causa da existência deste acórdão e vale a pena considerar caminhos alternativos”.