* indicates required
Notícias

Especialistas em arrendamento urbano apontam falhas às recentes alterações legislativas

Fernanda Cerqueira | 04-06-2019
A Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (UCP) reuniu advogados, professores e outros especialistas na área do arrendamento urbano num debate sobre as recentes alterações legislativas nesta matéria. Os intervenientes foram unânimes em reconhecer a dificuldade que há em conseguir uma legislação eficiente neste domínio.
Foto

As palavras da professora Ana Afonso, da Faculdade de Direito – Escola do Porto, da UCP, anfitriã da conferência do dia 31 de maio, espelham as dúvidas que pairam sobre a eficácia das mais recentes alterações legislativas ao regime jurídico do arrendamento urbano. «Encontrar um equilíbrio entre os interesses do senhorio e do inquilino não é fácil e fica especialmente difícil quando o ‘legislador’ é um conjunto de forças políticas que respondem a motivações diversas».

Sobre as mais recentes alterações legislativas, a professora destacou as Leis 12/2019 e 13/2019, ambas publicadas a 12 de fevereiro, que alteraram, entre outros diplomas, o Código Civil, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA). As alterações introduzidas por estas duas leis têm gerado dúvidas de interpretação e dividido opiniões sobre o impacto das mesmas no mercado de arrendamento urbano. Se, por um lado, a Lei 12/2019, que proíbe e pune o assédio no arrendamento, parece «tentar acautelar a pressão sobre os inquilinos», por outro, parece ficar aquém do seu objetivo, na medida em que «continua pendente a regulação do procedimento de injunção em matéria de arrendamento», sublinhou a especialista. Já quanto à Lei 13/2019, que estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, a professora considera que a mesma vem, «de uma forma quase total, inviabilizar os despejos de determinados inquilinos em situação de vulnerabilidade».

No que respeita à proteção de pessoas vulneráveis, o professor José Brandão Proença, também da Faculdade de Direito - Escola do Porto, da UCP, afirmou que «o legislador nunca conseguiu equilibrar o regime do arrendamento urbano, que persiste na dificuldade ou impossibilidade de compatibilizar os dois direitos em conflito – o direito de propriedade do senhorio e o direito do inquilino de utilizar o local arrendado». O novo regime de proibição e punição do assédio no arrendamento «traduz um fortalecimento da posição do arrendatário face ao senhorio», contudo o professor lembra que neste equilíbrio de forças «impõe-se perguntar onde estão as normas de proteção dos senhorios mais vulneráveis, porque também os há». E a Lei 13/2019, ao referir-se apenas aos arrendatários em situação de especial fragilidade, «presume que não há senhorios vulneráveis».

Ainda no âmbito da Lei 13/2019, os advogados Pedro Teixeira de Sousa e André Hüsgen, da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, abordaram as novas regras sobre denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento. Embora reconhecendo que ainda é «cedo para avaliar o impacto destas alterações», Pedro Teixeira de Sousa afirmou que «as regras do regime do arrendamento urbano têm sofrido alterações quase sucessivas, com avanços e recuos». No caso em particular das alterações introduzidas em matéria de extinção do contrato de arrendamento, «há muitas dúvidas quanto à aplicação da lei no tempo», além de que as novas regras «falham em vários objetivos, acarretando o risco de aumentar a instabilidade do mercado», sublinhou o advogado.

As principais alterações ao Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados estiveram também em foco na conferência, nomeadamente a nova figura da suspensão do contrato para obras de remodelação ou restauro profundos. «Quando haja lugar à suspensão da execução do contrato para remodelação ou restauro profundos, o senhorio fica obrigado a assegurar o realojamento do arrendatário, pelo período de decurso das obras, no mesmo concelho, em fogo em estado de conservação igual ou superior ao do locado primitivo e adequado às necessidades do agregado familiar do arrendatário, mantendo-se o valor da renda e encargos do contrato», explicou Filipe Pereira Duarte, da Abreu Advogados. Assim, «não obstante a manutenção da obrigação de pagamento da renda, o contrato de arrendamento suspende-se no momento da desocupação do locado pelo arrendatário», esclareceu o advogado.

Promoção de nova habitação no Porto «só é possível com o apoio dos privados»

Para o arquiteto Pedro Baganha, Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, a cidade enfrenta um «grande desafio». É que «embora o Porto seja detentor de 13% da habitação social, uma percentagem muito superior à média nacional (que ronda os 6%), continua a faltar habitação» na cidade. O Porto enfrenta também um novo desafio, que tem a ver com «uma franja crescente da classe média que tem dificuldade em aceder à habitação. É uma população diferente daquela que pode obter habitação por via daqueles 13%. Ganham o suficiente para não serem elegíveis para habitação social, mas o mercado não tem resposta para eles». Ora, «sendo a área disponível para a promoção de nova habitação na cidade inferior a 1% da superfície, isto só pode significar uma coisa: a nova política de habitação só é possível com o apoio dos privados».

Referindo-se ao novo regime de exercício do direito de preferência pelos arrendatários, o professor Agostinho Guedes, da Faculdade de Direito, Escola do Porto, da UCP, entende que o mesmo pode conduzir a situações de «compropriedade forçada», mormente no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, e, mais ainda, a «um regime de compropriedade contrário ao regime regra, visto que um dos comproprietários [o arrendatário preferente] tem direito de uso exclusivo da sua quota-parte». Para o professor, a alteração introduzida é contraditória com a própria génese e razão de ser do direito de preferência, que «nasceu para acabar com as situações de comunhão, porque geradoras de litigiosidade», e que agora, paradoxalmente, «promove a comunhão, ainda para mais involuntária». 

Os principais incentivos fiscais ao arrendamento urbano estiveram também em destaque na conferência. As advogadas Maria Dulce Soares e Susana Duarte, da Abreu Advogados, referiram-se, nomeadamente, ao Programa de Arrendamento Acessível, recentemente aprovado, e ao regime das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro, especialmente atrativo para o investimento imobiliário face à obrigatoriedade de distribuição dos dividendos e ao regime fiscal análogo aos Organismos de Investimento Coletivo.

A terminar, a professora Mónica Duque, também da UCP Porto e especialista em direito fiscal, debruçou-se sobre o recente agravamento da taxa de IMI sobre prédios devolutos há mais de dois anos, em zonas de pressão urbanística, considerando que o agravamento «é muito pesado» e que pode pôr em causa «a própria equidade do sistema». Com este agravamento «o imposto assume um caráter sancionatório, que não pode ter». Para a especialista, «está-se a assistir gradualmente a uma mutação constitucional do direito de propriedade, passando a sua função primária a ser a social». A fiscalista referiu-se também ao novo conceito de ‘zona de pressão urbanística’, cuja definição, considera, «está repleta de conceitos indeterminados». A este propósito, Pedro Baganha, responsável pelo pelouro do urbanismo, comentou que «toda a cidade do Porto está em pressão urbanística!».

A conferência foi promovida pela Faculdade de Direito, Escola do Porto da UCP, em parceria com o IMOJURIS, a Abreu Advogados e a Uría Menéndez – Proença de Carvalho.