O Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que aprovou o chamado Simplex Urbanístico, “foi um pacote transversal que alterou vários diplomas”, começou por referir Rui Ribeiro Lima, sócio da Morais Leitão, numa primeira resenha histórica da matéria. No que se refere às alterações ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), “diminuiu as situações em que o licenciamento era o regime regra, para passar a prever mais situações de comunicação prévia e, também, mais situações de isenção de controlo prévio”.
Quanto à revisão atualmente em curso, “os prazos, que tinham sido fixados em função da área do imóvel e das suas caraterísticas - operações de loteamento ou obras de urbanização - sofrem uma redução significativa”, continuou Rui Ribeiro Lima. “Estamos a falar nas obras de construção, em que o prazo passará a ser de 70 dias. Nas operações de loteamento com obras de urbanização, 95 dias. Nas operações de loteamento sem obras de urbanização, 65 dias. E nas obras de urbanização, 50 dias”. O que se faz, agora, “é reduzir os prazos tendo em atenção apenas as caraterísticas da operação urbanística e não a área do imóvel”. Nos chamados Pedidos de Informação Prévia (PIP), também há uma redução dos prazos procedimentais para a decisão municipal, após a consulta às entidades externas, passando os PIP simples para 15 dias e os qualificados para 20 dias.
“Se me perguntam se isto é digno de um apelido de ‘simplex’, não tenho bem a certeza, porque a pura redução de prazos procedimentais não é garante de que eles efetivamente vão ser respeitados”, sublinhou o advogado. A grande preocupação que perpassava pelo diploma do Simplex Urbanístico “era introduzir-se mecanismos de alguma flexibilidade e de reação ou resposta ao silêncio da administração, nomeadamente através do deferimento tácito, mas havia uma tentativa de dar prazos às câmaras municipais para, de forma razoável e realista, poderem analisar os projetos. Reduzir por reduzir não é garantia de nada e pode até introduzir um grau de incerteza porque, pura e simplesmente, haverá situações em que estes prazos não poderão ser cumpridos”.
Na mesma linha, o arquiteto Pedro Baganha, ex-Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, “preferia prazos mais longos, razoáveis, para uma boa decisão sobre o projeto de arquitetura e o resto era um mero depósito na câmara municipal para arquivo”. “É humano e inevitável que, no âmbito de uma legislação que é acintosa nos seus termos relativamente às câmaras municipais, haja uma reação defensiva por parte da administração. Quanto mais curtos e irrealistas os prazos de licenciamento forem mais as câmaras municipais vão encontrar pretextos para ganharem tempo ou bloquearem os processos”, alertou o arquitecto. Pedro Baganha salientou ainda o facto de se estar “a pensar em alterar os prazos para as câmaras municipais, mas não se toca nos prazos das entidades supramunicipais, que têm poder vinculativo e que são muitas vezes os causadores de incertezas nos processos, com despachos dúbios”.
O que se avizinha é também uma alteração na comunicação prévia. “Atualmente, quando apresentamos uma comunicação prévia há sempre uma fase de 15 dias em que é feito um saneamento e uma apreciação liminar da mesma e o que parece estar na calha é que não haverá esta fase”, explicou Rui Ribeiro Lima. Assim, “apresenta-se a comunicação prévia, pagam-se as taxas por autoliquidação no prazo de oito dias e, decorrido esse prazo, pode-se avançar para a obra, mediante mera comunicação”.
Comunicação prévia poderá tornar-se novamente facultativa
Nas operações que estejam sujeitas a comunicação prévia, fala-se igualmente na possibilidade de o requerente poder optar pelo licenciamento ao invés de submeter a comunicação prévia. Rui Ribeiro Lima considera “esta opção profundamente errada, porque o grande esforço que se verificou foi no sentido de ajustar as operações e as obras aos mecanismos de controlo prévio que existem, licença ou comunicação prévia, e o que daqui vai resultar é que haverá sempre um certo convencimento para que se siga a forma do licenciamento para se ter mais segurança jurídica”. O advogado defende que se “deviam manter as duas figuras, consoante o que for aplicável, sob pena de mais uma vez estarmos a contribuir para que os procedimentos administrativos se possam eternizar e aquilo que deveria estar sujeito a um controlo mais expedito acaba por se tornar num procedimento mais demorado”.
“Convinha que quem mexe na legislação aplicável ao licenciamento urbanístico tivesse uma visão histórica da mesma”, sublinhou Pedro Baganha. “Esta alteração que estará na calha de tornar novamente a comunicação prévia facultativa é exatamente repetir o processo de 2014, quando foi criada esta figura. Nessa altura, tal como hoje, a comunicação prévia era obrigatória. Na revisão seguinte do RJUE tornou-se a comunicação prévia numa figura facultativa. Em 2024 voltou-se a instituir a comunicação prévia como sendo obrigatória, e agora, em 2025 ou 2026, está na calha tornar-se novamente a comunicação prévia facultativa. Parem lá de mexer no assunto para ver como é que resulta, porque isto é insuportável para os promotores, mas também para as máquinas municipais!», apelou o arquiteto.
“Qualquer promotor que recorra ao financiamento à construção vai ter um problema sempre que há uma dualidade do processo. Nesse caso, vai ter de optar pelo caminho mais complicado e que lhe dê um título de segurança jurídica. Na possibilidade de existir um licenciamento formal o promotor vai ter de o fazer”, referiu a este propósito Mariana Arrochella Lobo, Partner & CEO da ARC Homes.
Na questão da utilização, parece haver uma solução híbrida entre aquilo que existia antes do simplex e aquilo que foi instituído pelo simplex. “A autorização de utilização continua a não existir, passa-se para uma fase de comunicação de utilização semelhante àquela que existe hoje, mas parece que tem de haver o decurso de um prazo de dez dias úteis e só depois começar a utilização”, explicou Rui Ribeiro Lima. “Penso que este prazo de dez dias se destina a que haja um mecanismo de fiscalização para a câmara municipal poder aferir se aquela comunicação de utilização de facto está correta”, esclareceu ainda o advogado.
Revisão devia ser mais abrangente
“Pensar que o problema está única e exclusivamente no RJUE é estar a ver a árvore e não ver a floresta. O problema de base diz respeito a uma ausência de cultura de planeamento territorial, a uma rigidez dos instrumentos de gestão territorial, à dificuldade em fazer um plano de pormenor e alterá-lo, ou a compartimentação que estas figuras de planeamento têm”, defendeu Pedro Baganha. “Um tipo de abordagem mais flexível que passa pelo desenho urbano, pela definição dos parâmetros urbanísticos em parceria entre o poder público e o setor privado será muito mais eficaz na resolução dos problemas do licenciamento do que mexer nos prazos”. Para o arquitecto, “se tivesse havido coragem de fazer uma verdadeira revolução no licenciamento urbanístico o que se deveria ter feito era eliminar aqueles atos e aquelas fases do processo que são absolutamente irrelevantes para a verificação da conformidade regulamentar das operações urbanísticas, como sejam o deferimento final e a emissão da licença de construção”. “Para garantir o interesse público bastar-me-ia aprovar um PIP onde os parâmetros urbanísticos já estivessem determinados. Este é o interesse coletivo que interessa defender no ato de licenciamento, tudo o resto é burocracia”, rematou o ex-Vereador de Urbanismo da Câmara Municipal do Porto.
Entre os aspetos positivos no simplex anunciado pelo Governo, Rui Ribeiro Lima destaca o controlo sucessivo das operações que estão sujeitas a comunicação prévia. “A fiscalização que é feita pelas câmaras municipais tem hoje um prazo de dez anos, que o Governo estará apostado em reduzir para um ano. Parece também positivo, sob o ponto de vista da estabilidade jurídica, a possibilidade de reduzir de dez para um ano os efeitos da declaração de nulidade”.
Fazer um balanço antes de nova revisão
Em jeito de conclusão, Rui Ribeiro Lima defendeu “que era necessária alguma estabilidade e mais algum tempo para vermos como é que o simplex aprovado em 2024 funcionaria”. Para o advogado, “melhor seria corrigir os lapsos e as incorreções que existem no simplex atual do que fazer agora uma nova revisão ao RJUE”.
“Do ponto de vista do promotor, temos que jogar sempre com previsibilidade, estabilidade e uma prática eficaz”, salientou Mariana Arrochella Lobo. “Precisamos de saber o que é preciso para licenciar um projeto, quais são os prazos normais em que isso acontece, porque só assim vamos ser capazes de planear e concretizar o projeto. Qualquer alteração na lei ou num simples regulamento municipal vai ter um impacto direto na forma como nós planeamos o investimento e concretizamos o projeto. A excessiva burocratização que nós temos nos processos urbanísticos é um entrave gigante a uma necessidade extrema que é a colocação de habitação no mercado”, concluiu.