Desde a aprovação do programa "Mais Habitação" pelo anterior Governo, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) manteve uma agenda intensa para tentar reverter as medidas que classificou como penalizadoras para o exercício da atividade. A reversão destas medidas começou com a revogação da contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL) e culminou, recentemente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que veio alterar o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local. O alcance e impacto desta alteração legislativa foi debatido no seminário "Alojamento local em mudança: oportunidades e desafios", promovido pelo Imojuris e pela Abreu Advogados, com o apoio da ALEP, da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), da Confidencial Imobiliário e da Vida Imobiliária, no dia 3 de dezembro, no auditório da Abreu Advogados, em Lisboa.
Em vigor desde 1 de novembro, o Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, “vem, principalmente, revogar algumas das normas previstas no programa Mais Habitação”, como é o caso da “suspensão de novos registos, bem como da reapreciação e necessidade de renovação, em 2030, dos registos já emitidos, ou ainda, da caducidade dos registos inativos”, assinalou Tiago Mendonça de Castro, Sócio da Abreu Advogados. “São também revogadas as limitações à transmissibilidade dos registos de alojamento local”, que deixam de ser pessoais e intransmissíveis, sem prejuízo de “os municípios poderem criar limitações proporcionais, no caso de moradias e apartamentos situados em áreas de contenção”, acrescentou o advogado.
Entre as principais novidades, Tiago Mendonça de Castro destacou também o papel dos municípios, que têm competência para aprovar regulamentos administrativos específicos para a atividade de alojamento local no seu território e estabelecer áreas de contenção e áreas de crescimento sustentável, assim como a criação da figura do provedor do alojamento local para dirimir potenciais diferendos, medidas que, no seu conjunto, visam “permitir alguma estabilidade a longo prazo”.
Eduardo Miranda, Presidente da ALEP, afirmou, por seu turno, que estas alterações “tentam encontrar um equilíbrio num ambiente bastante polarizado”. Na sua opinião, “o programa Mais Habitação rompeu com uma linha de regulamentação que vinha sendo feita, como a criação das áreas de contenção, e que era inclusive reconhecida a nível internacional”, acrescentando que esse programa “entrou em vigor sem qualquer análise de impacto ou estudo prévio”. Efetivamente, “muitos dos números sobre o mercado são apresentados tendo em consideração o número de registos, que é uma realidade meramente administrativa”, alertou Ricardo Guimarães, Diretor da Confidencial Imobiliário. “Em Lisboa só 41% dos alojamentos locais com registo estão ativos. Ou seja, o mercado é, grosso modo, metade daquilo que é a realidade administrativa. Quando se discutem medidas de contenção com base em números que não correspondem à sua materialidade certamente que esta é uma questão importante”, afirmou.
Também Bruno Neves de Sousa, Diretor Legal da Habitat Invest e representante da APPII neste seminário, reconheceu fragilidades ao programa Mais Habitação, “um pacote feito à pressa”. “O problema em Portugal não é de falta de habitação, mas de acesso a habitação”. E “não há forma de resolver o problema da habitação em Portugal sem uma visão holística, que aborde o problema como um todo”, ou seja, “que considere o alojamento local, mas também os custos de construção e a ausência de um mercado de arrendamento”.
Para Hugo Luís, Presidente da Câmara Municipal de Mafra, “o alojamento local é positivo”, na medida em que “é uma ferramenta de promoção da coesão territorial e tem de deixar de ser instrumentalizado”. O autarca de Mafra saúda, em particular, o reforço do papel dos municípios na regulação do alojamento local. “Ainda bem que a competência foi descentralizada e que o poder de regulamentação volta a estar do lado dos municípios”.
Do lado dos operadores, Isabel Mira, Diretora Legal da Optylon Krea, assinalou o impacto das medidas do programa Mais Habitação. “A instabilidade que tem havido ao nível da legislação aplicável ao alojamento local fez com que desacelerássemos a nossa expansão neste segmento de mercado. Em vez de adquirirmos para reabilitar, vender e explorar em alojamento local mudamos o nosso target para empreendimentos turísticos porque tem uma legislação muito mais estável”.
ALEP acredita que Tribunal Constitucional vai chumbar referendo em Lisboa
Na mesma data em que decorreu este seminário, a Assembleia Municipal de Lisboa remeteu ao Tribunal Constitucional uma iniciativa popular para a realização de um referendo local sobre o alojamento local em Lisboa, com o objetivo de fazer cessar a atividade e novas licenças em prédios de habitação. O tema foi também lançado para a mesa de debate desta sessão pela moderadora do painel, Patrícia Viana, Sócia da Abreu Advogados.
“Não acredito que o Tribunal Constitucional deixe passar [o referendo]”, comentou a este propósito o Presidente da ALEP. Embora admita que o movimento popular é compreensível, Eduardo Miranda assinala que o problema reside nas suas motivações. “Eu respeito as pessoas que se mobilizaram para assinar a proposta deste referendo. O problema não é o movimento popular, é a parte populista”. Isto porque, “apesar de se intitular popular, este referendo tem por detrás uma componente política já a pensar nas autárquicas do próximo ano”.
Já Isabel Mira considerou que acabar com a atividade de alojamento local em Lisboa teria um impacto “bastante negativo, não só para os promotores e operadores, mas para a própria cidade”, na medida em que “o alojamento local atrai turismo, pessoas, dinamiza a cidade, gera riqueza e rendimentos”, além de representar também “uma receita pública, através dos impostos e taxas turísticas”. Na mesma linha, Bruno Neves de Sousa considerou que este referendo “não tem margem para ser bem-sucedido, porque o fim do alojamento local em Lisboa não faria qualquer sentido”.