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Parlamento discute limites ao alojamento local em condomínios residenciais

| 13-06-2017
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) apresentou à Assembleia da República uma proposta de alteração ao regime jurídico do alojamento local. O Projeto de Lei prevê que o titular de fração de prédio urbano destinado a habitação seja obrigado a obter autorização da assembleia de condóminos para exercer a atividade de alojamento local nessa fração.  
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O Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) apresentou à Assembleia da República uma proposta de alteração ao regime jurídico do alojamento local. O Projeto de Lei prevê que o titular de fração de prédio urbano destinado a habitação seja obrigado a obter autorização da assembleia de condóminos para exercer a atividade de alojamento local nessa fração.  

A querela que envolve o exercício da atividade de alojamento local em frações de prédios urbanos destinados a habitação, constituídos em propriedade horizontal, tem originado diversas decisões contraditórias por parte dos tribunais, sem se perspetivar a formação de um consenso sobre a matéria.

No final de maio, dois deputados do Grupo Parlamentar do PS apresentaram o Projeto de Lei n.º 524/XIII, que contém uma proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, «clarificando o regime de autorização de exploração de estabelecimentos de alojamento local». Esta iniciativa pretende resolver, pela via legislativa, um impasse que se vem arrastando a nível jurisprudencial, considerando que «atento o conflito de interesses em jogo, nada justifica que o legislador se demita da função normativa e clarificadora que lhe cabe», justificam os deputados na exposição de motivos da proposta. 

O Projeto de Lei propõe que seja aditado ao conjunto de documentos necessários ao registo do estabelecimento de alojamento local a cópia da deliberação da assembleia geral de condóminos que autorize o titular da exploração do estabelecimento a exercer a respetiva atividade. Quer isto dizer que, o proprietário de uma fração de prédio urbano destinado a habitação só poderá afetar a mesma à atividade de alojamento local mediante prévia autorização da assembleia de condóminos.

Na exposição de motivos do Projeto de Lei, os deputados assinalam que «habitação (…) e alojamento temporário de turistas são realidades de facto bem distintas», na medida em que «a elevada rotatividade dos ocupantes de uma fração destinada a alojamento de curta duração claramente a deve distinguir do uso das demais frações destinadas a habitação, isto é, aquelas onde os demais habitantes permanentemente residem e onde, legitimamente, esperam ver reunidas as condições de tranquilidade e sossego que comumente se associam ao conceito de lar ou espaço de vida doméstica». Sendo certo que, «a desejável tranquilidade e sossego de um prédio destinado a habitação pode, com grande probabilidade, ser colocada em crise com a rotatividade inerente ao alojamento de curta duração de uma fração e à multiplicidade de padrões comportamentais desses que, rotativamente, a ocupam». Como tal, não é «indiferente para as pessoas que residem num prédio cujo título constitutivo o destina a habitação que ali possam passar a funcionar serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração». Neste sentido, os deputados entendem ser necessário «assegurar que a atividade de alojamento local (…) não seja exercida com desconsideração dos direitos dos demais condóminos», de forma a garantir «o desejável bom relacionamento entre os vários condóminos».

Proposta do PS não gera consenso no parlamento e entre as associações

A necessidade de dirimir, com a maior brevidade possível, este conflito de interesses é reconhecida por todos os grupos parlamentares.

O BE considera a proposta do PS «insuficiente». Isto porque, explicou Catarina Martins em reação à iniciativa do PS, «o alojamento local não é um problema só de pequenas frações, que um condomínio pode travar. Há grandes proprietários que compraram prédios inteiros e que estão a expulsar de bairros inteiros a população que lá vivia». O BE quer, por isso, «uma medida que seja mais efetiva e não tão simbólica», o que no entender do BE passará pela implementação de quotas mínimas para arrendamento habitacional. “Em determinados bairros, não pode haver mais de x frações dedicadas ao alojamento local, para termos a certeza de que há outros tipos de alojamento também”, esclareceu Catarina Martins.

Também para o CDS-PP, a proposta do PS «não é o caminho certo», uma vez que poderá gerar «situações de extrema injustiça». Isto porque é preciso distinguir, por um lado, os particulares que arrendam quartos na habitação onde residem e, por outro, os profissionais do setor do alojamento local. «São questões completamente diferentes e que têm de ter um tratamento diferente», sublinhou o deputado Álvaro Castelo Branco em declarações à Lusa.

Já o PCP considera a proposta do PS «justa», mas entende que se pode fazer mais. Em declarações à Lusa, a deputada Paula Santos referiu que o PCP quer «uma intervenção que modere e que garanta a compatibilização e o equilíbrio entre o alojamento local e o arrendamento tradicional», ainda que sem concretizar como será alcançado esse equilíbrio.

O PSD, por seu turno, considera que a proposta socialista oferece uma solução «meramente parcial» para o problema e irá apresentar uma solução «que vá mais longe», dentro de uma «lógica de equilíbrio» entre as duas realidades, avançou a deputada Emília Santos, para quem o fenómeno do alojamento local «precisa de uma estratégia de orientação e não de ser expulso».

Também do lado das associações o Projeto de Lei do PS suscitou muita preocupação, sobretudo por parte da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), que considerou a proposta «inconstitucional e desajustada». Em comunicado, Eduardo Miranda, presidente da ALEP, entende que aquela proposta «contraria o direito à propriedade privada», no caso o direito dos proprietários decidirem o tipo de utilização que pretendem dar as suas frações. Além disso, «revela um grande desconhecimento desta atividade», sublinhando o impacto negativo que a medida poderá ter na economia e no emprego. «Este projecto fere, em toda a linha, os interesses de quem investe no setor imobiliário, na reabilitação urbana e no turismo», pode ler-se no mesmo comunicado. Uma posição partilhada pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), para quem este Projeto de Lei é «mais uma proposta radical do PS para o setor imobiliário», afirmou o seu presidente, Luís Menezes Leitão, que antevê «um impacto enorme numa atividade que tem sido o motor do crescimento da economia».

Alojamento local em condomínios habitacionais continua a suscitar decisões contraditórias nos tribunais

No plano judicial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 28 de março último, fez pensar que a querela jurisprudencial estaria resolvida. Contudo, o mais recente aresto sobre a matéria, proferido a 6 de maio pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP), perfilhou um entendimento contrário ao do STJ e diverge, também, da interpretação sustentada em anterior acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, proferido a 15-09-2016

Recorde-se que, no passado mês de março, conforme AQUI noticiámos, o STJ sustentou o entendimento que «na cedência onerosa de fração mobilada a turistas, a fração destina-se à respectiva habitação e não ao exercício de atividade comercial». Logo, concluiu o STJ, «respeita o conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal onde consta que determinada fração se destina a habitação, se essa fração for objecto de alojamento local». Esta decisão acompanhou o entendimento de um anterior acórdão do TRP, de setembro de 2016, segundo o qual «se no título constitutivo da propriedade horizontal apenas se estabelece que determinada fracção se destina à habitação, não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afecte a alojamento local de turistas», na medida em que «o conceito de alojamento está contido no conceito de habitação». Em sentido inverso, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido em outubro do ano passado, considerou que “destinando-se a fracção autónoma, segundo o título constitutivo, a habitação, não lhe pode ser dado outro destino (alojamento mobilado para turistas) sendo para tanto irrelevante o licenciamento do local para a actividade comercial”. 

Mais recentemente, no início do mês de maio, o TRP, chamado a decidir sobre uma situação idêntica, considerou que «quando uma fracção se destina a habitação, quer dizer que se trata de uma residência, de um domicílio, lar, ou seja, de um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local». Os juízes desembargadores do TRP não descuram os argumentos do STJ, mas consideram que «a questão está longe de esgotada dada a relevância e complexidade dos factores envolventes».

Neste último acórdão, os desembargadores atendem ao tratamento fiscal distinto previsto para os rendimentos resultantes da atividade de alojamento local, enquadrados na categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), face aos rendimentos obtidos no ‘arrendamento residencial’, enquadrados na categoria F (rendimentos prediais). Por outro lado, entendem que o arrendamento permanente é uma «locação passiva», ao passo que o alojamento local é uma «locação ativa», na medida em que «inclui prestações de serviços complementares à mera locação do espaço». Para fundamentar a sua decisão, os juízes da Relação convocam também o direito constitucional à habitação, consagrado no artigo 65º, nº 1, da Constituição, nos termos do qual «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar», acrescentando que «a habitação, o domicílio, a casa é o suporte físico, material onde se concretizam os direitos fundamentais inerentes à personalidade física ou moral». Com base nestes fundamentos, o TRP decidiu, assim, condenar o proprietário da fração em causa a «abster-se de utilizar a sua fracção para alojamento local», bem como ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.