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Preferência do arrendatário na alienação de prédio não constituído em PH é declarada inconstitucional

Tiago Cabral | 13-07-2020
O Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que prevê o direito de preferência do arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, no caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal (PH).
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Em causa está o n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, que veio permitir o exercício do direito de preferência pelo arrendatário, na venda do local arrendado, mesmo que inserido em prédio não constituído em PH.

Em resultado daquela alteração introduzida em 2018, os arrendatários habitacionais de parte de prédio não constituído em PH passaram a ter direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, direito este «relativo à quota parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota parte face ao valor total da transmissão», ficando também estabelecido que aqueles valores devem ser indicados pelo senhorio ao arrendatário na comunicação para o exercício da preferência.

Prevê ainda aquela norma que a «aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado». Na prática, o arrendatário ao exercer a preferência torna-se comproprietário do prédio do senhorio.

A este propósito, um grupo de trinta e seis deputados à Assembleia da República pediu, no final de 2018, a apreciação e declaração da inconstitucionalidade da referida norma do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, pedido que foi agora acolhido pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização sucessiva da constitucionalidade, através do Acórdão n.º 299/2020, de 16 de junho.

De acordo com este acórdão, que teve quatro votos de vencido, «diferentemente do que ocorre na preferência do arrendatário de fração autónoma, em que se adquire a propriedade plena do local arrendado, na preferência do arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal constitui-se uma compropriedade sobre o imóvel». Se «o proprietário decidir vender a totalidade do prédio não constituído em propriedade horizontal, a preferência do arrendatário não é exercida em paridade com as condições oferecidas por terceiro, já que o objeto dos contratos em concurso é sempre diferente: num caso, a totalidade do prédio; no outro, uma parte alíquota do mesmo». Prevê-se, assim, «um “direito de preferência” sui generis, cujo exercício é desligado das condições ajustadas com terceiro e que se traduz na aquisição de um direito de compropriedade, caso ocorra a alienação do prédio parcialmente arrendado».

Além disso, o direito de compropriedade atribuído naquela norma ao arrendatário habitacional de parte de prédio não constituído em PH «não encontra correspondência no regime de compropriedade» previsto no Código Civil, pois «determina que a aquisição da quota-parte ideal confere ao preferente o uso exclusivo da parte do prédio correspondente ao locado, quando os comproprietários não têm “posse exclusiva” de parte especificada da coisa comum».

De acordo com o Tribunal Constitucional, está-se perante limitações significativas ao direito fundamental de propriedade privada. O proprietário «corre o risco de ficar impedido de vender a coisa na sua integralidade, como pretendia e tinha, aliás, acordado; concomitantemente, corre o risco de, contra a sua vontade, se ver obrigado a vender parte da coisa». E «os comproprietários ficam privados, sem o respetivo consentimento, do uso de parte da coisa comum a que têm direito».

Para o Tribunal, o exercício do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil «é suscetível de interferir negativamente no ativo patrimonial do proprietário», desde logo porque «não é provável que o comprador aceite continuar a comprar um imóvel cuja propriedade não vai adquirir plenamente, sendo mais provável que desista do negócio, ficando o arrendatário comproprietário do senhorio». Depois, «porque, além de correr o risco de não conseguir vender a quota-parte remanescente, não há nenhuma razão para supor que, conseguindo, o faça por um preço que, somado ao valor que recebera do preferente, iguale ou supere a oferta inicial, relativa ao prédio na sua integralidade».

Segundo o acórdão, para o proprietário-senhorio o exercício do direito de preferência «traduz-se num duplo limite à livre disponibilidade do bem: está impedido de alienar a totalidade do prédio e, se o arrendatário declarar preferir, está obrigado a vender uma quota ideal do mesmo». E, para os demais consortes, «tem o efeito de impedir o uso de parte da coisa comum, enquanto não se proceder à divisão ou venda do prédio». Por sua vez, o arrendatário «converte-se em comproprietário, sem ter a certeza sobre a possibilidade da coisa comum se dividir em substância» e «sem ter quaisquer garantias de que na ação de divisão de coisa comum o local arrendado lhe poderá ser adjudicado».

Conclui, por isso, o Tribunal Constitucional que o regime especial de preferência previsto na referida norma «sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional», sendo «uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos», limitando «desproporcionalmente o direito de propriedade privada do senhorio» e, consequentemente, violando o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, que garante o direito à propriedade privada.