O Presidente da República decidiu devolver à Assembleia da República, sem promulgação, o diploma sobre técnicos responsáveis por projetos. Marcelo justifica o veto dizendo que o diploma vem transformar em definitivo um regime que era apenas transitório.
Em causa está o Decreto da Assembleia da República n.º 196/XIII, de 3 de abril, que vem alterar a Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, que aprova um regime jurídico estabelecendo a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra.
O diploma teve origem em três Projetos de Lei apresentados o ano passado pelo grupo parlamentar do PSD e pelo PAN (Pessoas-Animais-Natureza) e foi aprovado, a 16 de março, na Assembleia da República (AR), com os votos do PSD, PCP, PEV e PAN, a abstenção do PS e CDS-PP e os votos contra do BE, de 42 deputados socialistas, incluindo o Presidente da AR, Ferro Rodrigues, e sete deputados do CDS-PP, incluindo a líder do partido, Assunção Cristas.
De acordo com o diploma vetado, sem prejuízo dos atos que, por lei, estejam exclusivamente cometidos aos arquitetos, «podem, ainda, elaborar projetos de arquitetura os engenheiros civis e os engenheiros técnicos civis, inscritos na respectiva Ordem, matriculados até 1987 e licenciados no curso de Engenharia Civil» do «Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade do Minho».
Por outro lado, o diploma prevê também que os agentes técnicos de arquitetura e engenharia «podem assumir as funções de direção de obra e direção de fiscalização de obra em obras de classe 4 ou inferior» e passam também a ter qualificação, nomeadamente, para obras em jardins privados e públicos e em espaços livres e zonas verdes urbanas.
Recorde-se que a Lei n.º 31/2009 estabeleceu um regime transitório de cinco anos para certos técnicos, o qual foi posteriormente prorrogado, em 2015, pela Lei n.º 40/2015, de 1 de junho, que permitiu aos referidos técnicos prosseguirem a sua atividade transitoriamente por mais 3 anos.
Ora, o Presidente da República, em carta enviada ao Presidente da AR, entende que o diploma agora aprovado «vem transformar em definitivo o referido regime transitório, aprovado em 2009 depois de uma negociação entre todas as partes envolvidas, e estendido em 2015, assim questionando o largo consenso então obtido» e «sem que se conheça facto novo que o justifique». Para Marcelo Rebelo de Sousa, tal constitui «um retrocesso em relação àquela negociação, alterando fundamentalmente uma transição no tempo para uma permanência da exceção, nascida antes do 25 de abril de 1974».
De acordo com a agenda parlamentar fixada a 11 de abril em conferência de líderes, a mensagem do Presidente da República que contém o veto vai ser debatida na Assembleia da República a 4 de maio. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, referiu, em declarações à Lusa, que, com a devolução do diploma ao parlamento, deverá reabrir-se «o processo na especialidade» para «se chegar a um desfecho final».
Veto presidencial é bem recebido pelos arquitetos e repudiado pelos agentes técnicos
A Ordem dos Arquitetos reagiu com agrado ao veto presidencial. Em declarações à Lusa, Daniel Fortuna do Couto, vice-presidente daquele organismo, referiu «que prevaleceu algum bom senso neste processo», esperando agora que seja iniciada uma «discussão séria e aprofundada» sobre a matéria. Para este dirigente, a Ordem dos Arquitetos não podia concordar com as alterações propostas, as quais «seriam um retrocesso democrático e civilizacional» que iria «atirar Portugal para antes do 25 de abril».
Pelo contrário, a Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia (AATAE) mostrou-se indignada com o veto presidencial e prometeu mesmo apresentar queixa ao Tribunal Europeu. «Estamos completamente indignados. Na segunda-feira vamos começar a preparar um processo para fazer e apresentar queixa ao Tribunal Europeu. Não podemos ser uma minoria dentro da indústria da construção», referiu o presidente da AATAE, Craveiro Amaral, em declarações à Lusa. O mesmo responsável explicou que, com este veto, cerca de 1100 técnicos deixam de ter profissão, recordando que a associação data de 1501 e representa os profissionais com «mais história em Portugal» e «não pode ficar de parte para responder a uma ordem de arquitetos que quer pôr a trabalhar os mais jovens (…) Têm todo o direito para isso, mas não devem ‘matar’ os mais velhos, os que têm experiência, o saber-saber e o saber-fazer que podiam transmitir aos mais novos», disse o responsável.