A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019 (Proposta de LOE 2019) prevê um conjunto de autorizações legislativas da Assembleia da República para o Governo legislar «no âmbito da promoção da reabilitação e da utilização de imóveis degradados ou devolutos», pode ler-se no documento entregue pelo Governo no Parlamento no passado dia 15 de outubro.
O Governo quer alterar as regras para a classificação dos prédios urbanos ou frações autónomas como devolutos e as respetivas consequências para efeitos de aplicação da taxa de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
A intenção do Governo é alargar a aplicação do conceito de ‘devoluto’ a outras finalidades, designadamente políticas de habitação, urbanismo e reabilitação urbana, e facilitar a prova da ‘desocupação’. Assim, poderá passar a ser indício de desocupação a existência de contratos em vigor com prestadores de serviços públicos essenciais (por ex. de água ou eletricidade) com «faturação inferior a um valor de consumo mínimo a determinar». Por outro lado, o Governo quer também que a situação de desocupação do imóvel, para efeitos da sua classificação como devoluto, possa ser atestada no âmbito da vistoria prévia à execução de obras de conservação.
IMI agravado para prédios devolutos há mais de dois anos em «zonas de pressão urbanística»
O Governo quer também criar o novo conceito de «zona de pressão urbanística», o qual será definido através de indicadores objetivos, «relacionados, designadamente, com os preços do mercado habitacional, com os rendimentos das famílias ou com as carências habitacionais». A delimitação das zonas de pressão urbanística será da competência da respetiva assembleia municipal, que poderá também deliberar o agravamento da taxa de IMI aplicável aos prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos há mais de dois anos, localizados em zonas de pressão urbanística. Nesses casos, a taxa de IMI poderá ser «elevada ao sêxtuplo, agravada, em cada ano subsequente, em mais 10%». Este agravamento terá como limite máximo o valor de doze vezes a taxa de IMI fixada pelo respetivo município.
O Governo pretende ainda que as receitas obtidas com este agravamento sejam «afetas pelos municípios ao financiamento das políticas municipais de habitação».
Note-se que o Código do IMI já prevê, atualmente, um agravamento da taxa do IMI, para o triplo, nos casos de prédios urbanos que se encontrem devolutos há mais de um ano e de prédios em ruínas.
Regime de arrendamento forçado para ressarcimento da execução de obras coercivas
A Proposta de LOE 2019 inclui também uma autorização legislativa para o Governo alterar o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana quanto à intimação para a execução de obras de manutenção, reabilitação ou demolição e sua execução coerciva. O Governo quer que a intimação para proceder à correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético de edifícios passe a abranger todo o tipo de obras necessárias para esse efeito, «visando garantir a aptidão do imóvel para o fim a que se destina, de acordo com as exigências legais e regulamentares aplicáveis». Pretende também «permitir a tomada de posse administrativa, com caráter expedito, aos atos preparatórios de uma intervenção coerciva, como sejam a execução de levantamentos, sondagens, realização de estudos ou projetos, quando necessário» e, no âmbito da tomada de posse administrativa, «prever a hipótese de efetuar a notificação por edital» quando «não seja possível a notificação postal, designadamente em virtude do desconhecimento da identidade ou do paradeiro do proprietário».
O ponto mais sensível desta autorização legislativa diz respeito ao ressarcimento da autoridade administrativa que tenha avançado com as obras coercivas. Para o efeito, o Governo pretende criar, em alternativa às formas de ressarcimento já previstas na lei, «um regime de arrendamento forçado para ressarcimento da execução das obras coercivas», dando o proprietário de arrendamento o edifício ou fração e afetando as respetivas rendas ao ressarcimento das despesas incorridas com as obras realizadas, «por um prazo compatível com o valor em dívida». Para este efeito, deverá ser definido «um valor mínimo de renda a aplicar ao arrendamento, de modo a garantir que o valor e o prazo são adequados, caso não exista um contrato de arrendamento válido, prévio à intervenção coerciva». No valor a ressarcir deverão incluir-se os custos com o realojamento de inquilinos, quando os haja. Por outro lado, quando o proprietário não manifeste por escrito o interesse em retomar a posse do imóvel findo o arrendamento forçado ou, findo o prazo, a não retome, a autoridade administrativa poderá manter a posse e disponibilizar ela própria o imóvel para arrendamento. Prevê-se, ainda, a sujeição do arrendamento efetuado ao abrigo deste regime à inscrição no registo predial, como ónus com eficácia real.
Recorde-se que o Projeto de Lei de Bases da Habitação, em discussão no Parlamento, também prevê o conceito de requisição temporária, para fins habitacionais e mediante indemnização, de habitações injustificadamente devolutas ou abandonadas.
De acordo com o documento, as referidas autorizações legislativas têm a duração de 180 dias.
Promotores, investidores e proprietários criticam Proposta de LOE 2019
A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) considera o agravamento do IMI dos prédios devolutos uma medida «injusta» e «penalizadora» para os proprietários. «Com esta punição excessiva não se criam condições, bem pelo contrário, para os proprietários readquirirem a confiança necessária e investirem na reabilitação», disse Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII, acrescentando que «com tamanha penalização é óbvio que o proprietário fica mais descapitalizado, tendo cada vez menos possibilidades económicas para fazer obras».
Também a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) manifestou o seu descontentamento com estas medidas inscritas na Proposta de LOE 2019, considerando-as «uma enorme irresponsabilidade política».
Para a associação, presidida por Luís Menezes Leitão, «a degradação e o abandono do património imobiliário nos centros urbanos, que agora o Governo pretende sobretaxar com um valor até doze vezes o IMI (passando de 0,3% a 0,45% para 3,6% a 5,4% do VPT), ou com a realização de obras coercivas e arrendamento forçado, se devem a mais de um século de congelamento de rendas durante o qual os proprietários não recebiam muitas vezes o suficiente sequer para manter o seu património». A ALP considera, assim, que os proprietários estão a ser «duplamente esbulhados pelo Estado: não só viram as suas poupanças diminuir com o congelamento das rendas, como têm agora de pagar impostos adicionais sobre o pouco que sobrou».