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Simplificação dos licenciamentos e medidas do Mais Habitação marcaram as sessões jurídicas da SRU Lisboa

Fernanda Cerqueira | 10-04-2023
O "Simplex Ambiental" e as medidas previstas no pacote Mais Habitação referentes ao alojamento local e ao designado "arrendamento forçado" deram mote às três sessões jurídicas promovidas pelo Imojuris, em parceria com a Morais Leitão, a PLMJ e a RSA no âmbito da programação da 10.ª Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa.
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A primeira sessão jurídica decorreu no dia 29 de março, promovida pela Morais Leitão, em colaboração com o Imojuris, e sob a epígrafe ‘A simplificação e reforma dos licenciamentos: do Simplex Ambiental ao urbanismo’.

Simplificar passou a ser a palavra de ordem. Enquanto se aguarda uma simplificação das regras do urbanismo, entrou em vigor, a 1 de março, o Decreto-Lei n.º 11/2023, 10 de fevereiro, que promove a alteração de diversos diplomas legais especificamente na área ambiental, como os relativos à avaliação de impacte ambiental, ao licenciamento ambiental, ou ao setor das águas e resíduos. O designado ‘Simplex Ambiental’ revelou-se um “diploma abrangente e que alterou 19 regimes jurídicos”, destacou Rui Ribeiro Lima, da Morais Leitão.

Na opinião do advogado, entre as muitas alterações, uma das medidas de “maior utilidade para o setor imobiliário” é a instituição de um mecanismo de certificação de deferimentos tácitos ou de atos permissivos. “A partir de janeiro de 2024, este mecanismo permite que o particular possa obter um documento que comprova a obtenção de licença/autorização/ato sempre que a entidade pública competente não emita decisão no prazo legal fixado e a lei atribua a esse ‘silêncio’ o valor positivo”, ou seja, de deferimento.

Para Rui Ribeiro Lima este diploma “foi o primeiro grande passo na simplificação de procedimentos”. Foi entendido que “a atividade ambiental era merecedora desta simplificação, mas outras se seguirão. O próprio preâmbulo do diploma identifica que existirá de seguida a simplificação na área do urbanismo, ordenamento do território e indústria, na área do comércio e serviços, e, finalmente, na agricultura. Nós assistiremos nos próximos tempos a uma simplificação em todos estes domínios o que vai, obviamente, ditar algumas alterações legislativas”.

Também o arquiteto João Rodolfo, do atelier Traçado Regulador, admite que “este novo diploma traz uma mensagem de esperança relativamente à simplificação processual. No licenciamento ambiental já percebemos que isso vai acontecer com uma redução da redundância dos processos”. 

Na senda da simplificação, também o pacote de medidas incluídas no ‘Mais Habitação’ traz novidades. Esta recente iniciativa do Governo inclui uma proposta de lei de autorização legislativa com várias medidas que o executivo pretende implementar. Entre outras, destacam-se a alteração do procedimento de controlo prévio aplicado às operações urbanísticas de edificação para comunicação prévia, a obrigatoriedade da metodologia BIM (Building Information Modelling), a previsão segundo a qual a aprovação do projeto de arquitetura e a apreciação dos projetos de especialidades se baseiam nos termos de responsabilidade dos autores dos projetos, incluindo um regime de responsabilidade solidária entre os autores de projeto e as entidades executantes, ou a criação de um regime de juros de mora, que visa aplicar uma sanção pecuniária aos municípios e às entidades externas envolvidas em caso de incumprimento dos prazos legalmente estabelecidos para a decisão, com possibilidade de abatimento nas taxas de licenciamento.

Alojamento local “não é o culpado pela escassez de habitação em Portugal

No dia 30 de março, data em que o Governo anunciou as propostas legislativas relativas ao programa ‘Mais Habitação’, após o período de consulta pública, teve lugar, quase à mesma hora, o seminário jurídico ‘Alternativas à morte anunciada do alojamento local’.  Uma sessão em que participaram Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Miguel Torres Marques, assessor jurídico da ALEP, e as sócias da PLMJ Margarida Osório de Amorim, da área de Imobiliário & Turismo, e Andreia Candeias Mousinho, de Urbanismo, num debate com moderação de Tiago Cabral, diretor do Imojuris.

O programa ‘Mais Habitação’ coloca o alojamento local “como o principal culpado pela escassez de habitação em Portugal, o que não faz sentido. Há, na verdade, um conjunto de fatores que contribuem para a escassez de habitação", referiu Margarida Osório de Amorim. Com efeito, da intransmissibilidade do título, à caducidade das licenças, passando pela suspensão da emissão de novas licenças e pela nova contribuição extraordinária, as medidas anunciadas no âmbito deste programa “são muito más” para o setor do alojamento local. 

Eduardo Miranda, presidente da ALEP, reconheceu o trabalho que tem vindo a ser realizado pelas câmaras municipais, ressalvando, contudo, que “faltava a possibilidade de as câmaras municipais poderem fazer uma gestão não punitiva, mas mais inteligente”. E deu o exemplo do Porto, que "avançou a ideia de uma espécie de zona de sustentabilidade", isto é, áreas “que tendo uma concentração maior ficam sujeitas a critérios adicionais” para a entrada de novos alojamentos. Esta solução permite “gerir antecipadamente e reencaminhar o crescimento da atividade naquela zona de forma mais seletiva, garantindo que não haja conflito com a habitação”. 

Eduardo Miranda manifestou-se também contra “o encerramento cego em todo o país” da emissão de novos registos de alojamento local. E recordou a proposta da ALEP no sentido de um pacto de sustentabilidade entre o alojamento local e a habitação: a ALEP propôs “fazer um pacto neste momento de grande crise habitacional e direcionar a abertura de alojamento local para aquilo que é a sua vocação natural, casas de segunda habitação, casas vazias que não afetem principalmente o mercado habitacional”. A proposta da ALEP, prosseguiu, “foi não abrir alojamentos locais em imóveis onde havia um contrato de arrendamento habitacional nos últimos dois anos”.  

Suspensão de novos alojamentos locais em territórios de alta densidade

Contudo, desde o anúncio do pacote de medidas, a 16 de fevereiro, até à data da sua aprovação em Conselho de Ministros, a 30 de março, o Governo parece ter-se revelado “sensível” a algumas das críticas apontadas no âmbito da consulta pública, admitiu Margarida Osório de Amorim.

Desde logo, a suspensão de novos registos de alojamento local não se aplicará a 165 municípios classificados de baixa densidade, nem a 73 freguesias de baixa densidade em 20 outros municípios. Por outro lado, esta restrição só abrangerá os estabelecimentos de alojamento local nas modalidades de apartamento e quartos, sendo excluídas as moradias.

Margarida Osório de Amorim recordou que “esta suspensão já existe em Lisboa e no Porto”, além de os regulamentos municipais, no caso de Lisboa e também da Ericeira, identificarem e delimitarem as designadas ‘áreas de contenção’. Nesse sentido, deixou o alerta: “era importante perceber se estas medidas, que em termos de efeitos não são muito diferentes, foram de facto positivas e contribuíram para criar stock adicional para habitação. Caso contrário, estamos exatamente no mesmo ponto”, ou seja, “a criar medidas sobre medidas, sem estudar o efeito real de cada uma delas”.

Outra novidade que resultou da consulta pública, foi a redução de 35% para 20% da anunciada contribuição extraordinária sobre o alojamento local, que só irá abranger apartamentos e não se aplicará em zonas de baixa densidade.

Sem prejuízo de eventuais alterações em sede de discussão parlamentar, Andreia Candeias Mousinho chamou a atenção para a medida que prevê a reconversão do alojamento local em habitação, que, na sua opinião, “vai apresentar, na prática, algumas dificuldades”. Desde logo, porque “nem todos os alojamentos locais operam em edifícios com licença para habitação” e, ainda, porque “as próprias condições físicas do edifício podem não estar adaptadas”.

Arrendamento forçado é uma “apropriação coerciva” do uso e habitação do imóvel

Foi uma das medidas do pacote ‘Mais Habitação’ que gerou mais controvérsia. O ‘arrendamento forçado’ deu mote à última sessão jurídica da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, promovida pela RSA, em colaboração com o Imojuris, e sob a epígrafe ‘As alternativas ao arrendamento forçado numa economia de mercado’.

Crítico desta medida, António Raposo Subtil, advogado da RSA, relembra que “a liberdade de atuação só é limitada na medida em que existe uma obrigação a cumprir. A exceção é o Código das Expropriações, na medida em que há um valor excecional que se coloca e, por isso, há uma ação sobre uma pessoa que tem um bem, expropria-se, paga-se a indemnização, caso contrário era um confisco. Esta é a exceção que, para além de se alicerçar na Constituição, tem um Código, um tratamento sistemático numa lei, um tratamento jurisprudencial, que hoje está consolidado”.

Na sua opinião, a figura designada ‘arrendamento forçado’, anunciada pelo Governo no âmbito do programa ‘Mais Habitação’, “é uma inovação significativa no nosso sistema jurídico”. Com esta medida, “o Estado está a dizer que vai fixar o preço da renda de uma forma muito simples: se não usas eu tiro-te o gozo do bem”. Isto significa, na opinião do advogado, que existe uma “apropriação coerciva” do direito real de gozo, ou seja, do uso e habitação do imóvel.

Para António Raposo Subtil está a “introduzir-se uma distorção no mercado” e que afeta a confiança de quem pode investir no mercado de arrendamento, porque o investidor "sabe que um dia pode ser confiscado, pode ser-lhe retirado um valor sem justa contrapartida”.

De acordo com a versão aprovada no Conselho de Ministros, de 30 de março, o ‘arrendamento forçado’ será uma medida a operacionalizar pelos municípios. Apenas poderá ser aplicado a apartamentos, em territórios que não sejam de baixa densidade, e apenas aos imóveis considerados devolutos há pelo menos dois anos.