Na sequência da publicação da Lei de autorização legislativa n.º 50/2023, de 28 de agosto, foi aprovado na reunião do Conselho de Ministros, de 19 de outubro, o decreto-lei que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria. O diploma enquadra-se na segunda fase do processo de simplificação de procedimentos administrativos e de reforma de licenciamentos e está incluído no Plano de Recuperação e Resiliência e no Programa SIMPLEX, surgindo na sequência da aprovação do SIMPLEX Ambiente.
Para desvendar as novidades que aí vêm, o Imojuris e a Morais Leitão promoveram no dia 7 de novembro, no âmbito da XI Semana da Reabilitação Urbana do Porto, um debate sobre as principais novidades do SIMPLEX do Licenciamento Urbanístico, em particular as alterações promovidas nos procedimentos de licenciamento de obras.
Na abertura da sessão, Rui Ribeiro Lima, advogado sénior da Morais Leitão, começou por elencar os novos casos de isenção de controlo prévio, designadamente, «as obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não afetem, mantenham ou reforcem a estrutura de estabilidade e que não impliquem modificações das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas», «as obras de reconstrução das quais não resulte um aumento da altura da fachada, mesmo que impliquem o aumento do número de pisos», ou «as operações de loteamento em zona abrangida por plano de pormenor com efeitos registrais ou unidade de execução que disponha de desenho urbano e programação de obras de urbanização e edificação».
A informação prévia favorável passa a ter por efeito «a isenção do controlo prévio da operação urbanística em causa», designadamente «quando respeite a área sujeita a plano de pormenor, a operação de loteamento ou a unidade de execução, que disponha de desenho urbano e programação de obras de urbanização e edificação». Nessa situação, «a operação urbanística deve ser efetuada no prazo de dois anos após a decisão favorável do pedido de informação prévia e é sempre acompanhado de declaração dos autores e coordenador dos projetos de que aquela respeita os limites constantes da informação prévia favorável», esclareceu o advogado.
Quanto aos poderes de cognição das câmaras municipais, «estes passam a ser muito precisos e muito restritos». Nesse sentido, a apreciação do projeto de arquitetura por parte dos municípios passará a incidir exclusivamente sobre a sua conformidade com os planos municipais, medidas preventivas, áreas de desenvolvimento urbano e construção prioritários, servidões administrativas, restrições de utilidade pública, uso proposto, suficiência das infraestruturas, bem como as normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e à inserção urbana e paisagística das edificações.
A câmara municipal delibera, sob pena de deferimento tácito, sobre o pedido de licenciamento. «A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento, ou a formação de deferimento tácito, consubstancia a licença para a realização da operação urbanística, bem como, quando solicitado pelo interessado, para ocupação da via pública», prosseguiu Rui Ribeiro Lima. Por outro lado, «é eliminado o alvará de construção, sendo substituído pelo recibo do pagamento das taxas devidas».
Uma das medidas mais emblemáticas é «a eliminação do alvará de autorização de utilização, substituído por uma comunicação prévia, com diferentes modalidades». Assim, quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio, a autorização de utilização é substituída por uma mera comunicação prévia (ou seja, a mera entrega de documentos). Quando exista uma alteração de uso numa obra que não foi sujeita a controlo prévio, deve ser apresentada uma comunicação prévia com um prazo de cinco dias para o município responder, considerando-se aceite o pedido de autorização de utilização caso o município não responda.
Simplificar, mas…
Questionado sobre o novo decreto-lei, ainda por publicar, Francisco Rocha Antunes, Presidente Executivo da MOME (Cooperativas de Habitação), CDO da +Urbano e Chair da ULI Portugal, começou por referir que «tudo o que for simplificação é bem-vindo. A questão são os efeitos da simplificação para a realidade das empresas». Para o empresário, «sempre que acontecem estas mudanças, gostamos todos ao princípio, mas depois pára tudo», e «o receio é que a ideia seja simplificar, mas depois venha tudo a parar».
Já António Zamith Rosas, Diretor Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento, na Câmara Municipal de Braga, entende que as alterações anunciadas, «no essencial, não se traduzem em grandes novidades». Para o responsável municipal, «deve-se simplificar, para que se evitem procedimentos ou momentos de análise supérfluos ou mesmo inúteis».
«A discussão tem de ser feita a montante desta iniciativa legislativa», prosseguiu o autarca. Costuma-se «responsabilizar os serviços municipais pelos chamados atrasos, mas estes são de responsabilidade partilhada», sublinhou. «A grande aposta deveria ser uma espécie de exorcismo daquilo que é a espuma que anda à volta dos processos, sem afetar a essência dos mesmos». Para Zamith Rosas, «é preciso, sobretudo, introduzir confiança no sistema» e os «termos de responsabilidade vão também no sentido dessa confiança» que é necessário introduzir.
«Tensão amigável» para desbloquear os obstáculos procedimentais
Quanto à questão do deferimento tácito, Francisco Rocha Antunes chamou a atenção para o facto de essa solução legal já existir, atualmente, quando os projetos são sujeitos a aprovação pela Direção-Geral do Património Cultural. Para o gestor, «é preciso encontrar um equilíbrio para que estas regras funcionem» e, como em alguns casos já existem, «o que é preciso é não complicar e usar os mecanismos que já estão a funcionar bem».
Quanto a este ponto, Zamith Rosas referiu que «o RJUE [Regime Jurídico da Urbanização e Edificação] elenca de forma taxativa os casos de indeferimento, que são duplamente vinculativos», acrescentando que «o técnico, na sua conclusão final, tem de encaixar as suas razões nalgum dos fundamentos que estão na lei». Nesse sentido, é necessário «desmistificarmos este poder municipal, que não é mais do que exercer o poder que resulta da lei».
Para o diretor municipal, «deve haver uma ‘tensão amigável’», em que «os técnicos das câmaras municipais não têm de ser vistos como os adversários que vão encravar os processos, mas como alguém que pode ajudar a resolver os problemas».