Foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria.
O diploma concretiza ainda um dos eixos do programa «Mais Habitação», disponibilizando mais solos para habitação acessível. Com efeito, «a simplificação destes procedimentos contribui para o aumento dos solos disponíveis, permitindo igualmente que os custos da criação de habitação sejam menores e os tempos de concretização de projetos imobiliários sejam mais reduzidos», pode ler-se no preâmbulo do diploma.
Em matéria de urbanismo, procede-se à eliminação da necessidade de obter licenças urbanísticas, criando-se, para o efeito, novos casos de comunicação prévia, de isenção e de dispensa de controlo prévio.
Assim, um plano de pormenor ou uma unidade de execução com certas características passam a dispensar a licença de loteamento, aplicando-se a comunicação prévia. Um plano de pormenor ou uma unidade de execução que satisfaçam certas condições deixam de exigir a aprovação de obras de urbanização, sendo agora aplicável a comunicação prévia, quando até aqui apenas a licença de loteamento permitia esta dispensa. E uma unidade de execução com certas características também passa a dispensar a licença de construção, com aplicação do regime da comunicação prévia, quando até aqui apenas o plano de pormenor e a licença de loteamento permitiam essa dispensa. Acresce que, deixa de ser possível escolher seguir o regime da licença quando é legalmente possível seguir o procedimento simplificado da comunicação prévia.
Por outro lado, são previstas novas situações de isenção, onde não existe qualquer procedimento de controlo prévio, designadamente: quando exista aumento de número de pisos sem aumento da cércea ou fachada (por exemplo, criação de andar interior em estabelecimento industrial, para melhor aproveitamento do espaço); quando estejam em causa obras interiores que não afetem a estrutura de estabilidade, assegurando-se que o técnico habilitado declare, através de termo de responsabilidade, que a estrutura de estabilidade é de considerar aceitável face à situação em que o imóvel se encontrava antes da obra realizada; quando tenha sido obtida informação prévia suficientemente precisa; e para a substituição de vãos por outros que, conferindo acabamento exterior idêntico ao original, promovam a eficiência energética.
No mesmo sentido, acolhem-se novos casos em que são dispensadas licenças urbanísticas ou outros atos de controlo prévio, apenas havendo lugar à emissão de um parecer não vinculativo pelo município competente. É o caso das obras promovidas por empresas do setor empresarial do Estado, empresas municipais e intermunicipais relativas: à instalação de equipamentos ou infraestruturas destinadas à instalação de serviços públicos; nas áreas portuárias ou do domínio público ferroviário ou aeroportuário; quando sejam afetos à habitação ou para pessoas beneficiárias de políticas sociais, incluindo residências para estudantes deslocados; a parques industriais, empresariais ou de logística, e similares, nomeadamente zonas empresariais responsáveis (ZER), zonas industriais e de logística; para salvaguarda do património cultural, entre outras situações.
Simplificados os procedimentos para obtenção de licenças urbanísticas
Aprova-se, por um lado, um regime de deferimento tácito para as licenças de construção, permitindo que o particular realize o projeto pretendido caso as decisões não tenham sido adotadas nos prazos devidos. Por outro lado, elimina-se o alvará de licença de construção, o qual é substituído pelo recibo do pagamento das taxas devidas.
São também adotadas várias regras para que a contagem dos prazos seja mais transparente. Assim: a contagem dos prazos passa a iniciar-se com a entrega do pedido pelo particular e não num momento intermédio do procedimento; os prazos só se suspendem se o particular demorar mais de 10 dias a responder a pedidos de informação, documentos adicionais ou a outras solicitações da Administração Pública; e apenas é possível pedir por uma única vez informações, documentos adicionais ou formular outras solicitações durante o procedimento. Deste modo, os prazos legalmente previstos são alargados, pois a sua contagem inicia-se agora com a submissão do pedido e não num momento posterior.
Adicionalmente, determina-se que, caso não exista rejeição liminar ou convite para corrigir ou completar o pedido ou a comunicação, considera-se que o requerimento ou a comunicação se encontram corretamente instruídos, não podendo ser indeferido o pedido com fundamento na sua incompleta instrução.
Ainda em matéria de simplificação dos procedimentos urbanísticos, elimina-se a necessidade de parecer da entidade competente em matéria de património cultural em diversas situações. Assim, quanto a imóveis localizados em zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público, não há lugar a parecer da entidade competente em matéria de património cultural quando: se trate de obras no interior de bens imóveis, desde que não se verifique impacte no subsolo, ou alterações relativas a azulejos, estuques, cantarias, marcenaria, talhas ou serralharia; se trate de obras de conservação no exterior; e relativamente à instalação de reclamos publicitários, sinalética, toldos, esplanadas e mobiliário urbano.
Simultaneamente, alarga-se o prazo de validade da informação prévia favorável de um para dois anos, sem necessidade de solicitar prorrogações. E permite-se que o prazo de execução das obras possa ser prorrogado sem os limites atuais, de apenas poder ocorrer uma única vez e por período não superior a metade do prazo inicial.
Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos
Prevê-se que os regulamentos municipais só podem abranger certo tipo de matérias, não podendo, por exemplo, abordar matérias relativas aos procedimentos administrativos ou a documentos instrutórios, assim procurando harmonizar os procedimentos nos vários municípios do País. Além disso, impede-se que os municípios possam exigir documentos instrutórios adicionais face aos previstos na lei e em portaria especificamente destinada à identificação desses documentos. Assim, para efeitos de clarificação, é adotada uma lista não exaustiva de documentos que não podem ser exigidos, nem pela referida portaria nem pelos regulamentos ou pela prática dos municípios.
Prevê-se a criação de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, que permita, entre outras funcionalidades, apresentar pedidos online; consultar o estado dos processos e prazos; receber notificações eletrónicas; obter certidões de isenção de procedimentos urbanísticos; uniformizar procedimentos e documentos exigidos pelos municípios; e a futura submissão de pedidos em formato Building Information Modelling (BIM), com automatização da verificação do cumprimento dos planos aplicáveis. Esta Plataforma será de utilização obrigatória para os municípios a partir de 5 de janeiro de 2026.
Poderes de cognição dos municípios
São também clarificados os poderes de cognição dos municípios no exercício do controlo prévio urbanístico, em especial no que diz respeito à emissão de licenças. Assim, em geral, cabe ao município verificar: a inserção do edifício no território; a estética exterior e a inserção do projeto na paisagem; e a suficiência das infraestruturas. Não compete ao município apreciar questões relativas ao interior dos edifícios ou matérias relativas às especialidades (águas, eletricidade, gás, etc.).
Os municípios não apreciam nem aprovam projetos de especialidades, os quais são remetidos para mera tomada de conhecimento e arquivo, acompanhados de termos de responsabilidade emitidos pelos técnicos competentes em como os projetos foram realizados em conformidade com a lei.
Para que os procedimentos de licença urbanística sejam mais ágeis, permite-se a delegação de competências nestas matérias nos dirigentes dos serviços, assim evitando a concentração de competências no vereador com pelouro.
Eliminação de exigências excessivas
São eliminadas certas exigências excessivas em matéria de controlo prévio urbanístico, previstas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU). Por exemplo, elimina-se a obrigatoriedade da existência de bidés em casas de banho; permite-se que possa existir um duche em casas de banho, em vez de banheiras; e viabiliza-se a utilização de soluções para cozinhas como kitchenettes ou cozinhas walk through. Simultaneamente, aprova-se a revogação do RGEU com efeitos a 1 de junho de 2026.
O pedido de licença de construção passa a poder englobar a ocupação do espaço público e a licença de construção abrangerá, nesses casos, a possibilidade de ocupação desse espaço na medida do que seja necessário para realizar a obra. São ainda eliminadas as exigências excessivas relativas às caixas de correio, bem como a obrigação de os municípios verificarem o cumprimento das mesmas. Por último, esclarece-se que a requisição da presença de forças de segurança nas obras é facultativa, não podendo ser exigida ao promotor por entidades públicas.
Eliminação da autorização de utilização e de outras formalidades
É eliminada a autorização de utilização quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio, substituindo-se essa autorização pela mera entrega de documentos, sem possibilidade de indeferimento. Já quando exista alteração de uso em obra não sujeita a controlo prévio, deve ser apresentada uma comunicação prévia com um prazo de 20 dias para o município responder, considerando-se aceite o pedido de autorização de utilização caso o município não responda.
Quanto às formalidades relacionadas com a compra e venda do imóvel, são eliminadas, no momento da celebração do contrato, a exibição ou prova de existência da ficha técnica de habitação e da autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade.
Simplificam-se também os processos de receção das obras de urbanização. Assim, por exemplo, determina-se a obrigação de os municípios aceitarem a cessão para a sua posição contratual da garantia dada pelo empreiteiro ao promotor para a realização das obras de urbanização, eliminando o custo com a emissão de novas garantias.
Simplificação em matéria de ordenamento do território
É simplificado o processo de reclassificação de solo rústico em solo urbano, com finalidade industrial, de armazenagem ou logística.
De acordo com este processo simplificado, realiza-se apenas uma consulta pública; prevê-se uma conferência procedimental para todas as entidades se pronunciarem simultaneamente; determina-se que o procedimento não pára durante o período de consulta pública; e atribui-se competência à assembleia municipal para a respetiva aprovação. Este procedimento não se aplica em áreas sensíveis ou em áreas da reserva ecológica ou agrícola nacional.
Além disso, criam-se condições para acelerar os procedimentos de aprovação de planos de urbanização e planos de pormenor, através da eliminação do acompanhamento da elaboração dos mesmos pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional, e da eliminação da fase de concertação.
Criam-se também condições para a simplificação do controlo urbanístico com a criação de novos casos de comunicação prévia que substituam licenças urbanísticas, através de uma densificação do conteúdo das unidades de execução. Deste modo, clarifica-se que as unidades de execução podem: conter desenho urbano; incluir a programação das obras de urbanização; e envolver contrato de urbanização para o seu desenvolvimento. Caso a unidade de execução inclua o desenho urbano e a programação de obras de urbanização, deixa de ser necessária a licença de construção ou de loteamento, podendo as operações urbanísticas fazer-se na base de comunicações prévias.