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Simplex Urbanístico: setor fala em oportunidade, mas tem dúvidas

Fernanda Cerqueira e Ana Tavares | 26-02-2024
Menos licenças, autorizações e atos administrativos desnecessários. O Simplex Urbanístico quer agilizar e desburocratizar o licenciamento, um conjunto de alterações que têm gerado muitas dúvidas entre os profissionais do setor da construção e do imobiliário. Para as esclarecer, o Imojuris e a Uría Menéndez – Proença de Carvalho, com o apoio da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), promoveram no dia 22 de fevereiro, em Lisboa, o seminário ‘O que devemos esperar do Simplex Urbanístico?’.
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O Simplex Urbanístico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, entra em vigor, salvo algumas exceções, a 4 de março. À partida, dir-se-ia que são boas notícias para o setor da construção e do imobiliário, que tem mantido uma posição fortemente reivindicativa quanto à necessidade de eliminar a excessiva burocracia e morosidade dos processos de licenciamento. Contudo, as soluções legais que integram o Simplex Urbanístico, pela forma impactante como alteram vários paradigmas e práticas muito enraizadas nos domínios do urbanismo e do ordenamento do território, trouxeram muitas questões, quer de ordem teórica, quer de ordem prática. Isso mesmo ficou bem evidente pelo elevado interesse e número de participantes que acorreram ao seminário “O que devemos esperar do Simplex Urbanístico?”, promovido pelo Imojuris e a Uría Menéndez – Proença de Carvalho, com o apoio da APPII, no dia 22 de fevereiro, no Lisbon Secret Spot - Montes Claros, em Lisboa.

É um novo paradigma que se pretende implementar no licenciamento. Maior celeridade e menores custos de contexto para os promotores e para requerentes das operações urbanísticas”, começou por referir Pedro Teixeira de Sousa, advogado da Uría Menéndez – Proença de Carvalho. Se as medidas aprovadas serão suficientes, “isso veremos”, referiu, explicando que o diploma “tem ainda de ser regulamentado por várias portarias que ainda não foram aprovadas” e “complementado por outras iniciativas legislativas, por exemplo, o Código da Construção”.  

Entre as alterações mais significativas, Pedro Teixeira de Sousa destacou as que impactam o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e as transações de imóveis.

Em matéria de simplificação da tramitação dos procedimentos administrativos, o prazo para a decisão do procedimento passa a contar-se a partir da data de receção do pedido e os requerentes só podem ser notificados por uma vez (no prazo máximo de 15 dias úteis) para corrigir ou completar os pedidos. Em caso de ausência de decisão, forma-se deferimento tácito, com certificação eletrónica, do pedido de licenciamento. Na senda da agilização, há um alargamento dos casos de comunicação prévia e de isenção de controlo prévio. Passam a estar isentas de controlo prévio, entre outras situações, as obras de alteração no interior dos edifícios, desde que não afetem a estrutura de estabilidade, as obras de reconstrução e de ampliação com aumento do número de pisos das quais não resulte um aumento da cércea ou fachada, ou a demolição de edificações ilegais. Quanto ao licenciamento, as câmaras municipais passam a ter várias limitações nos seus poderes de cognição, por exemplo, deixam de apreciar e aprovar os projetos de especialidades e do interior dos edifícios. O alvará de licença de construção é substituído pelo recibo de pagamento das taxas devidas. É eliminado o procedimento de autorização de utilização quando tenha existido controlo prévio, substituindo-se essa autorização pela entrega de termo de responsabilidade e, caso tenha sido alterado o projeto, de telas finais.

Alterações que Pedro Teixeira de Sousa reconhece serem “relevantes”, mas das quais resulta “um contraponto entre a celeridade que se pretende incutir com este diploma versus a segurança e a previsibilidade que promotores, financiadores e consumidor final querem ter”.

Presente na ocasião, Teresa Almeida, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT, I.P.), sublinhou que o Simplex Urbanístico “é um processo muito mais amplo e impactante na vida dos particulares e das empresas do que uma reformulação legislativa normal” e, por isso, justificadamente, “traz um intrincado quadro de preocupações e dúvidas”. Quanto a estas “dúvidas e receios que a aplicação efetiva do regime vai trazer, vamos todos, administração, promotores, interessados, procurar balizar as nossas práticas de modo mais claro e adequado para contribuirmos para os desejados fins do Simplex”, disse.  

Perceção da qualidade do promotor, do arquiteto e do construtor vai pesar na decisão dos bancos

Do lado da banca, por exemplo, “há trabalho a ser feito”, comentou Hélder Frias, Counsel da Uría Menéndez - Proença de Carvalho, adiantando que “os bancos ainda se encontram a avaliar o impacto que toda esta nova realidade tem, quer no que se refere ao financiamento à construção, quer na parte do crédito à habitação”.

Ideia que foi confirmada por António Fontes, da Área de Fomento à Construção e IFRRU do Banco Santander, segundo o qual o banco “ainda não tomou uma posição formal sobre este tema. Temos as nossas equipas técnicas e jurídicas a estudar afincadamente o assunto e em breve tomaremos uma decisão sobre isto”, disse. Não obstante, partilhou a sua opinião pessoal, defendendo que “o Simplex vai ser uma oportunidade para todos”. Reconhece que ele próprio ainda tem “muitas dúvidas”, mas entende que “este documento tem inúmeras vantagens, clarifica muitos aspetos, torna os processos menos burocráticos, encurta os prazos e reduz os custos”.  António Fontes admite, ainda assim, “riscos acrescidos para a banca, para os promotores, para os técnicos e para o consumidor final”, mas acredita que, uma vez “estabilizado”, este processo “vai trazer, a médio prazo, novos investidores e novos negócios para a banca”.

E se, até agora, a prática era a de pedir informação técnica à câmara, para certificar a legalidade de um determinado projeto, com o fim deste ‘selo de garantia’, António Fontes antecipa uma valorização do “reconhecimento do mercado”, ou seja, “vai ser mais importante perceber quem é o promotor, quem é o arquiteto, quem é o construtor”. Os bancos "podem, no limite, ter menos apetite para conceder crédito, em especial o crédito à construção, a quem tenha menos credibilidade no mercado, nomeadamente a promotores menos experientes”.

Responsabilidade é o fator chave

Face às alterações introduzidas pelo Simplex Urbanístico, muitos profissionais têm-se questionado se não trocamos a segurança e a previsibilidade por celeridade. Dúvidas que têm feito crescer “a perceção de que promotores e arquitetos vão tentar recorrer muito mais ao Pedido de Informação Prévia (PIP) para tentar ter uma resposta expressa da parte do munícipio", comentou Gonçalo Reino Pires, advogado da Uría Menéndez – Proença de Carvalho.

Do lado da promoção imobiliária, Frederico Pedro Nunes, Chief Operating Officer da Bondstone, admite que promotores e investidores “têm a necessidade de ter segurança e garantias”. Isto porque, “a atividade de promoção imobiliária é uma atividade de alto risco. Um promotor imobiliário lida com muitas entidades, com dinheiro obtido através de financiamento bancário, num processo que dura três, quatro, cinco anos. Um promotor quer ter um documento que lhe dê segurança para prosseguir”, sublinhou.

Para Joana Almeida, Vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, “a haver uma fuga para o PIP, esse não é o princípio do diploma”. E explica que “a câmara quer dar a máxima segurança aos promotores, trabalhar com os projetistas, mas há da parte destes intervenientes outra responsabilidade”. Considera que “o Simplex é uma grande oportunidade, mas também um grande desafio para todos”, e no qual “a responsabilidade é o fator chave: promotores, arquitetos, técnicos da câmara municipal passam a ter outra responsabilidade”.

Numa outra perspetiva, Miguel Saraiva, Lead Architect da Saraiva + Associados, sublinhou que “estamos a discutir uma lei sem prática e a lei poderá ser considerada boa ou má consoante ela sirva ou não o seu propósito. Precisamos de um ano ou dois para conseguir classificar esta lei”. O arquiteto defendeu ainda que “o PIP é essencial em grandes projetos, em projetos estruturantes, porque vai abrir uma porta ao diálogo entre quem gere o território de uma forma macro e quem está a desenvolver um projeto para uma determinada parcela da cidade. E esse diálogo é muito positivo. Acho que o PIP será usado caso a caso, não se vai generalizar”.

Outro tema discutido na mesa de debate foi o deferimento tácito. Com o Simplex Urbanístico, na ausência de decisão no prazo estabelecido para a operação urbanística, passa a haver deferimento tácito do pedido de licenciamento. Contudo, a utilidade prática do deferimento tácito deixa muitas dúvidas. “Não vejo que uma pessoa incorra no risco de fazer um investimento de dezenas ou centenas de milhares de euros com base no deferimento tácito. Acho que é um risco enorme”, admitiu Gonçalo Reino Pires. Até porque, apesar do deferimento tácito passar a ser automático, “a câmara pode sempre pronunciar-se sobre o processo e tornar o deferimento um ato nulo. Temos prazos, mas também temos controlo sucessivo”, frisou Joana Almeida.

A encerrar este seminário, Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII, referiu que “longe de ser um documento unânime, o Simplex Urbanístico deve ser visto como uma oportunidade”. O responsável da APPII fala de uma “clara evolução” na perceção do Simplex Urbanístico, admitindo que são cada vez mais as vozes que reconhecem “uma oportunidade e com bastantes aspetos positivos”.