Após um mês de vigência das alterações introduzidas no regime dos licenciamentos urbanísticos, quais têm sido os maiores desafios sentidos por promotores, equipas projetistas e municípios?
Este foi o mote para o seminário jurídico que o Imojuris e a Morais Leitão promoveram no dia 10 de abril na Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa.
Para Mariana Morgado Pedroso, CEO da Architect Your Home, que participou no painel de debate deste seminário, «há mais dúvidas do que certezas nesta fase, estamos ainda a absorver esta legislação. Existem processos em andamento, mas que ainda não foram submetidos. A forma como iremos proceder ainda está por determinar».
«Estamos a fazer contato direto com os municípios. Das interações que tivemos com as câmaras surgiram muitas dúvidas, o que é compreensível. O entendimento dos municípios varia, sendo divergente. Recebemos respostas distintas para as mesmas perguntas. Parece que existem dois critérios: a câmara tem direito a um prazo e nós a outro», prosseguiu a arquiteta.
Quanto aos processos pendentes, Mariana Pedroso revelou que «não é suposto a câmara analisar as especialidades, mas algumas analisam. Algumas câmaras não estão a aplicar a nova lei, algo que nos deixa com algumas dúvidas».
Relativamente à regulamentação do Simplex Urbanístico e, em particular, à Portaria n.º 71-B/2024, de 27 de fevereiro, Rui Ribeiro Lima, da Morais Leitão, frisou que «houve uma tentativa de clarificar, mas complicou-se. A comunicação de início de trabalhos é a parte mais problemática. Quando a lei especifica que devo comunicar o início dos trabalhos, refere-se às obras licenciadas ou objeto de comunicação prévia», prosseguiu. Ora, «a portaria não menciona tal. Considero isto de uma neutralidade muito duvidosa. É até um retrocesso face ao que a legislação dizia. Esta comunicação só deveria existir para as situações em que tenho um licenciamento ou uma comunicação prévia», defendeu o advogado.
Para Mariana Pedroso, «existe falta de recursos humanos nas câmaras há muito tempo. Muitas vezes confrontamo-nos com reuniões em câmaras onde percebemos claramente que não têm recursos, quer humanos quer materiais, têm poucos meios». Já a «formação padece de um mal transversal: cada câmara tem os seus métodos. O Simplex não vai agravar nem melhorar este problema que existe há muitos anos». Por outro lado, prosseguiu a arquiteta, «os formulários deveriam ser nacionais, não diferir de câmara para câmara. Isto depois torna o aconselhamento aos clientes mais difícil».
Rui Ribeiro Lima reconheceu, por seu turno, que «as câmaras não tiveram tempo para se preparar para isto. Infelizmente, ainda não foi dado às câmaras o tempo necessário para adaptar os seus procedimentos, mas têm de o fazer», sublinhou. «O simplex basicamente tentou simplificar procedimentos administrativos. Não pretende, ou não tem a virtualidade, de alterar as regras técnicas de construção nem as regras que devem vigorar em cada município». No diploma «há muitas regras que não estão explícitas», nem tal era suposto. «O facto de haver várias normas municipais não significa que haja arbitrariedade naquilo que é essencial, o procedimento». Para o advogado, «não se justifica ter vários procedimentos administrativos diferentes entre câmaras. Isso não pode acontecer. Daí que o diploma tenha sido bastante incisivo: tudo aquilo que seja contrário à lei é nulo».
O advogado prosseguiu, referindo que «o início da simplificação começa com este diploma relativamente aos procedimentos administrativos, mas a reforma total só será concretizada talvez em 2030, quando entrar em vigor a metodologia BIM e houver uma plataforma única». E o diploma contribuiu também para uma maior transparência: «a partir deste mês têm de ser disponibilizados em Diário da República todos os regulamentos municipais das operações urbanísticas», frisou.
Questionada sobre se haverá o risco de ‘fuga’ dos promotores para o pedido de informação prévia (PIP), para assim obter uma resposta expressa do município, Mariana Pedroso referiu que «a portaria descreve todos os elementos que têm de ser entregues com o PIP, que está agora mais completo, permitindo obter uma resposta às dúvidas que um promotor possa ter». Nesse sentido, continuou, «não me parece que vá haver uma fuga para o PIP. Há situações em que o pedido não se justifica». Na perspetiva dos arquitetos, «este pedido é, em quase todas as situações, igual ao licenciamento».
Quanto aos prazos, Rui Ribeiro Lima explicou que os mesmos se passam a contar «a partir da data da submissão do pedido». Ao prever-se uma consequência (o deferimento tácito) para o silêncio do município, «houve, simultaneamente, uma preocupação em estender os prazos», a saber: 120 dias, no caso de obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção igual ou inferior a 300 m2; 150 dias, no caso de imóvel com área bruta de construção superior a 300 m2 e igual ou inferior a 2200 m2, bem como no caso de imóveis classificados ou em vias de classificação; e 200 dias, no caso de obras de urbanização, operações de loteamento e, bem assim, obras de construção, reconstrução, alteração ou de ampliação, conservação e demolição realizadas em imóvel com área bruta de construção superior a 2200 m2. No caso deste último prazo, por ser superior a seis meses, resta a dúvida se corre de forma contínua, conforme resulta do Código do Procedimento Administrativo, ou se, tal como os outros, deve ser contado em dias úteis.
Na opinião do advogado, «os prazos instituídos foram alargados e são generosos» e «para as câmaras com mais processos, a gestão destes prazos é muito importante». Nesse sentido, defendeu que as câmaras municipais devem «estabelecer protocolos internos de atividade», em função do tipo de operação urbanística que é submetida, para conseguir dar uma resposta atempada aos pedidos.
«O Simplex não foi uma tentativa de ataque às câmaras no que diz respeito à morosidade dos processos». O que se procurou foi «introduzir alguma certeza na contagem dos prazos, designadamente quando há interrupções ou suspensões. Houve uma tentativa de introduzir certeza e previsibilidade nos processos», concluiu Rui Ribeiro Lima.