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Temas em Análise

A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca

Carolina Nabais | Advogada Associada | RSA
05-08-2024
No dia 25 de julho de 2024, foi publicado o Decreto-Lei n.º 48/2024, que entrará em vigor no dia 24 de agosto e vem proceder ao reforço da hipoteca perante o direito de retenção, que, até à data, se verificava de forma inversa, vendo assim o credor hipotecário a sua posição reforçada.

No entanto, este reforço da posição do credor hipotecário limita-se apenas às situações em que a não consagração desta nova previsão conduziria ao locupletamento do credor hipotecário à custa do titular do direito de retenção, que tivesse realizado despesas com o imóvel, visando a sua conservação ou incremento patrimonial.

Daí que, esta prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca anteriormente registada se encontra condicionada à verificação de o crédito garantido assegurar o reembolso de despesas feitas com o imóvel no âmbito da sua conservação ou incremento patrimonial.

Procedeu-se, assim, à alteração do artigo 759.º do Código Civil, que no seu n.º 1, além do anteriormente previsto, veio ainda estabelecer a faculdade de o titular do direito de retenção sobre coisa imóvel, “nos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor, ser pago com preferência aos demais credores do devedor”. Assim, caso estejamos perante a referida situação, o legislador entendeu que o direito de retenção deverá prevalecer sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, conforme estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo.

Por fim, no que respeita à aplicação da lei no tempo, o presente decreto-lei apenas se aplica aos direitos de retenção que tenham sido constituídos após a sua entrada em vigor, ou seja, aos direitos de retenção constituídos após 24 de agosto de 2024.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2024, de 25 de julho de 2024 deixará de existir uma prevalência absoluta do direito de retenção sobre a hipoteca, conforme resulta no n.º 1, parte final do artigo 759.º do Código Civil.

No âmbito das operações imobiliárias, cumpre destacar as alterações que se vão fazer sentir na posição do promitente-comprador nos casos de insolvência do promitente-vendedor.

Em face do disposto no artigo 106.º e da remissão para o artigo 104.º, ambos do CIRE, o promitente-comprador que tenha direito de retenção sobre o imóvel apenas poderá ver o seu crédito graduado antes do credor hipotecário quando este assegure “o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor”.

À luz do novo regime legal, sempre que não se verifique a situação mencionada no parágrafo anterior, o promitente-comprador apenas se verá ressarcido do sinal em dobro após as instituições bancárias verem o seu crédito hipotecário pago, atendendo a sua qualificação como crédito comum.

De notar que o registo do contrato-promessa de compra e venda, com eficácia-real, sem ter havido tradição da coisa, não afastará, por si só, os direitos do credor hipotecário em caso de insolvência do proprietário vendedor, conforme dispõe o artigo 106.º, n.º 1 do CIRE.

Em suma, será necessária a consideração de outros pressupostos, como é o caso da possibilidade do Administrador da Insolvência, nos termos do artigo 106.º do CIRE, recusar o cumprimento do contrato de promessa se tiver havido tradição da coisa (direito de retenção).

A referida recusa terá os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 104.º do CIRE, pelo que o crédito do promitente-comprador relativo ao reembolso de despesas de conservação ou incremento patrimonial do imóvel deverá ser aferido nos termos ali previstos, embora, certamente surgirão diversas dúvidas quanto à liquidação desse crédito, em especial no que respeita ao critério do “aumento do valor”.

Esta alteração legislativa impactará nas operações imobiliárias, uma vez que, estando os promitentes-compradores cientes da limitação imposta ao direito de retenção, terão muito mais cautela nos negócios imobiliários a realizar, em concreto, nas aquisições de imóveis em construção ou em planta, sendo de levantar, desde já, a seguinte questão: será o sinal entregue durante a construção de um edifício considerado como apto a satisfazer o critério do “aumento do valor”?