* indicates required
Temas em Análise

Liquidação e insolvência no RGA

Manuel Camarate Campos e Maria José Esteves | Sócios | RSA
03-07-2024
O Decreto-Lei nº 27/2023, de 28 de abril, aprovou o Regime de Gestão de Ativos (RGA) que entrou em vigor em 29 de maio de 2023. Este regime veio unificar a regulamentação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), anteriormente dispersa pelo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC) e pelo Regime Jurídico do Capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado (RJCRESIE).

O RGA passou a prever, expressamente, a declaração de insolvência como uma das causas de dissolução dos OIC e a distinguir, de modo explícito, entre liquidação extrajudicial e judicial dos OIC, contrariamente aos regimes anteriores. Em primeiro lugar, importa referir que a dissolução determina agora a liquidação irreversível do OIC, o que contrasta com os regimes anteriores, que permitiam reverter a liquidação para organismos de investimento alternativo de subscrição particular (no caso do RGOIC) ou para fundos de capital de risco não constituídos mediante oferta pública (no caso do RJCRESIE).

O artigo 250.º do RGA postula que a liquidação extrajudicial se aplica às seguintes situações de dissolução do OIC:

a) Pelo decurso do prazo pelo qual foi constituído;

b) Por deliberação da assembleia de participantes em OIA’s fechados, se previsto no regulamento de gestão ou se as respetivas unidades de participação não estiverem admitidas à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral nos termos legalmente previstos;

c) Por decisão da sociedade gestora, no interesse dos participantes;

d) Nas situações previstas no contrato de sociedade, no caso de sociedades de investimento coletivo.

Ainda a este propósito, com o RGA, quando um OIA imobiliário atua como promotor imobiliário e a garantia legal para os compradores dos seus imóveis termina em data posterior à sua dissolução, o depositário ficará fiel depositário do montante determinado pelo liquidatário considerado razoável para cobrir os custos das responsabilidades associadas ao referido OIA imobiliário, salvo nos casos em que essa responsabilidade esteja coberta por contrato de seguro. No regime revogado do RGOIC, era a entidade gestora que desempenhava o papel de fiel depositário, não se prevendo a possibilidade de a responsabilidade ser coberta por seguro.

No que concerne à liquidação judicial, há de distinguir o regime aplicável aos OIC e às sociedades gestoras.

A liquidação judicial dos OIC rege-se pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), com as especificidades previstas no RGA. Os OIC dissolvidos são alvo de liquidação judicial, em caso de declaração de insolvência, bem como em caso de revogação da sua autorização pela CMVM ou da impossibilidade de substituição da sociedade gestora, promovida pela CMVM.

O conceito de “dissolução”, que dá lugar a liquidação judicial, passa a referir-se a realidades distintas: a dissolução de OIC coincide com a declaração de insolvência, produzindo os seus efeitos na data do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência; no caso de revogação da autorização pela CMVM ou da impossibilidade de substituição da sociedade gestora, promovida pela CMVM, a “dissolução” coincide com a decisão da CMVM que tal determina.

O depositário, atentas as suas especiais responsabilidades de controlo e fiscalização da atividade dos OIC no interesse dos participantes, passa a ser incluído no elenco das entidades com legitimidade para requerer a declaração de insolvência.

Totalmente inovador no RGA, relativamente ao regime do CIRE, é a circunstância de a CMVM poder propor o “liquidatário judicial” ou os “membros da comissão liquidatária” a designar pelo Juiz, bem como a remuneração a auferir pelos mesmos, aos quais competirá o exercício de funções do “administrador da insolvência” (AI) ao abrigo do CIRE.

Como regime excecional relativamente ao disposto no art. 49º do CIRE, pelo RGA são pessoas especialmente relacionadas com o OIC, para efeitos de classificação de créditos e de resolução em benefício da massa: i) a sociedade gestora, à data da declaração de insolvência e nos 2 anos anteriores à data de início do processo de insolvência ou, caso esta data não seja aplicável (decisão CMVM), nos 2 anos anteriores à data da declaração de insolvência; ii) os administradores de direito ou de facto dessa sociedade gestora; iii) os participantes de OIC fechados que fossem titulares da maioria das respetivas Unidades de Participação no referido período.

Por fim, ainda relativamente aos OIC, certos mecanismos, como a adoção de um Plano de Insolvência ou a administração da massa insolvente pelo próprio devedor, aplicam-se apenas aos OIC destinados exclusivamente a investidores profissionais.

No que tange às sociedades gestoras, as mesmas consideram-se dissolvidas, para efeitos de liquidação judicial em processo de insolvência nos termos do CIRE, em caso de declaração de insolvência ou “caso não cesse imediatamente o exercício das atividades cuja autorização foi renunciada ou revogada ou não promova as alterações ao respetivo objeto social e, caso aplicável, à firma”, cfr. declaração da CMVM, que promoverá no tribunal competente a liquidação da sociedade gestora, no prazo de 10 dias úteis contados dessa declaração.