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Novos deveres de compliance trazem maior responsabilização das pessoas coletivas e seus dirigentes

Fernanda Cerqueira | 17-10-2022
Os deveres de prevenção do branqueamento de capitais, de prevenção da corrupção, de proteção de dados e de proteção do denunciante de infrações conduzem a uma responsabilização acrescida das pessoas coletivas e dos seus dirigentes. A adoção pelas empresas de rigorosos procedimentos de compliance é o caminho apontado pelos especialistas para evitar dissabores.
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A preocupação com a criminalidade económica e financeira tem motivado sucessivas alterações legislativas, aumentando as situações, os quadros e as redes em que pode surgir a responsabilização das empresas e dos seus dirigentes. Foi o impacto deste novo regime, aprovado pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, em vigor desde 21 de março de 2022, que deu mote ao seminário “Sector imobiliário: a nova dimensão da responsabilidade das pessoas coletivas e dos seus dirigentes”, uma iniciativa do Imojuris, em parceria com a RSA Advogados e a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), que decorreu no dia 13 de outubro, no Hotel Real Palácio, em Lisboa.

«Longe vão os tempos em que as teias societárias/grupos empresariais podiam ser entendidas como lugar de opacidade desejável, que poderia dificultar os passos da investigação criminal», referiu João Luz Soares, advogado, Associado Principal na RSA. Na sua opinião, estas entidades «são hoje parte fundamental na instalação de uma cultura de transparência, de aplicação jurídica consciente e sustentável e de uma verdadeira cultura de compliance».

Com efeito, os temas da compliance, da prevenção do branqueamento de capitais, da prevenção da corrupção, da proteção de dados, da proteção do denunciante (lei do whistleblowing) têm sido densificadas pela lei de tal forma que as sucessivas alterações legais incluem desde simples mudanças de redação a verdadeiras mudanças de paradigma. «Um desafio para as equipas jurídicas das empresas que precisam de verter estas medidas no funcionamento interno da empresa e de assegurar resposta a uma necessidade de formação constante dos intervenientes», frisou o advogado. Também os programas de compliance ganharam importância acrescida, como mecanismos de «importância prática», sublinhou João Luz Soares. A adoção e execução de «um programa de cumprimento normativo com medidas de controlo e vigilância idóneas», para prevenir crimes ou para diminuir significativamente o risco da sua ocorrência, «pode também ser utilizado como atenuante», no âmbito de um eventual processo judicial.

Estas novas redes legais, que impõem um conjunto diversificado de novas obrigações, «afetam profundamente o setor imobiliário», sublinhou António Raposo Subtil, advogado, Sócio Fundador da RSA. Um setor que hoje é «mais financeiro, mais dinâmico e mais complexo. Temos fundos, sociedades, SICAFI, aglomerados de sociedades, umas vezes autogeridas outras vezes heterogeridas… uma realidade complexa e que, entre outras, enfrenta as alterações ao artigo 11.º do Código Penal, introduzidas pela Lei n.º 94/2021». Com esta alteração, «hoje, a responsabilidade dos dirigentes das pessoas coletivas, mesmo na vertente contraordenacional e penal, tem uma amplitude absurda, envolvendo administradores não executivos, dirigentes de topo e todos os membros de órgãos de controlo ou fiscalização», explicou António Raposo Subtil.

Na sua opinião, «o legislador passou a invadir as empresas para combater o branqueamento de capitais», com a constituição de «comités dentro das empresas que fazem investigação à própria empresa».

A responsabilidade de um administrador que infrinja a lei, por uma eventual multa ou coima e pela indemnização dos prejuízos causados, «é projetada para a empresa e, se esta não tiver fundos, respondem todos os outros administradores subsidiariamente», sublinhou ainda o advogado. 

Especialistas e profissionais reconhecem no imobiliário um mercado mal preparado

Este novo regime de responsabilização «é um tema atual e que tem passado despercebido a demasiadas pessoas», começou por referir Duarte Pitta Ferraz, Professor Catedrático Convidado na Nova SBE Executive Education e na Nottingham Business School. Estamos perante «uma legislação muito exigente» e que deixa evidente a necessidade de «reforçar a importância do corporate governance, ou seja, do modo como as estruturas organizacionais operam e atuam (os processos de sistemas de debate, de votação, de execução, de controlo) na tomada de decisões informadas».

No caso particular do setor imobiliário, o especialista deixa o alerta: «o imobiliário é um mercado onde a compliance tem de ser muito forte».

Com uma associação muito forte ao branqueamento de capitais, o setor imobiliário profissionalizou-se e desenvolveram-se cadeias de responsabilidade que têm afastado esta associação entre a atividade imobiliária e a prática criminal. «O tempo em que os senhores chegavam com os sacos de dinheiro já passou», começou por referir Paulo Caiado, Presidente da APEMIP.

O setor debate-se hoje com outros problemas e, em particular, com «a perceção da dimensão de responsabilidade associada ao exercício da atividade». «Em Portugal, as imobiliárias são caracterizadas por uma grande heterogeneidade, maioritariamente pequenas e médias empresas.». Sendo certo que são mediadores imobiliários «aqueles que estão habilitados legalmente para o exercício da atividade, mediante licença conferida pelo organismo competente, o IMPIC», a verdade é que se trata de «um procedimento sobretudo administrativo e que não prepara os profissionais para este nível de responsabilidade», sublinhou Paulo Caiado.

Na opinião do Presidente da APEMIP, «o setor da mediação imobiliária está mal preparado para conseguir enfrentar estas responsabilidades», ainda que a lei as atribua, porque «há falta de exigência no acesso ao exercício da atividade».