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Players do mercado imobiliário dão nota negativa ao “Mais Habitação”

Imojuris | 23-10-2023
O problema do acesso à habitação nas suas diversas vertentes deu o mote ao seminário ‘Pacote “Mais Habitação” – Do papel à realidade’, promovido pelo Imojuris e a PLMJ, com o apoio da Associação dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), no dia 19 de outubro, em Lisboa.
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«O que nós fizemos neste policy paper foi olhar para a realidade do mercado e procurar perceber como é que o mercado de habitação estava a evoluir, quais eram os drivers que podiam estar a influenciar o mercado e, a partir daí, desenhar uma estratégia de política pública», começou por referir na abertura do seminário Hugo de Almeida Vilares, professor universitário e co-autor do policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos: "A crise da habitação nas grandes cidades - uma análise".

Com este estudo, «procurámos ter uma medida de gravidade do problema para quem esta crise de acessibilidade impacta», e «olhámos também para as causas do lado da procura e da oferta, bem como para as políticas que foram adotadas e abandonadas ao longo do tempo», prosseguiu o professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Segundo Hugo de Almeida Vilares, «é verdade que nós temos um problema de acessibilidade e que os preços cresceram muito», mas «parece ser evidente que não há uma bolha especulativa». Para o especialista, quem pode ser afetado por um aumento substancial dos preços é «quem está fora do mercado ou quem tem arrendamento de curta duração». Em sentido inverso, «quem tem casa própria enriqueceu». Verifica-se, assim, «um aumento da desigualdade da riqueza em Portugal, que está associado a este mecanismo».

O que pode explicar o agravamento da acessibilidade habitacional é, «em primeiro lugar, a reduzida oferta de casas novas; se olharmos para o mercado de construção este diminuiu imenso depois da crise financeira». Por outro lado, «medidas absolutas de natureza central para limitar a procura de estrangeiros ou de alojamento local não são desejáveis nem eficazes».

«Se o problema é ter habitação acessível, o que pode fazer sentido é subsidiar a construção de habitação acessível, ou facilitá-la, baixando impostos e, eventualmente, disponibilizando terrenos». O objetivo passa por «criarmos qualidade habitacional de forma sustentável», isto é, «expandir a oferta com padrões urbanísticos, equilíbrio nas comunidades e, idealmente, ter um mercado que seja reativo e rápido a atuar face a grandes alterações de preço», frisou.

O que temos é «um problema de acessibilidade à habitação para quem está fora do mercado». Pelo contrário, «quem já tem habitação há 10 ou 20 anos, enriqueceu». O pacote Mais Habitação «dispara em todas as direções, com o objetivo de promover a acessibilidade, mas as medidas e o público-alvo não se casam. Há um desfasamento entre quem o decisor público quer apoiar e quem de facto está com um problema de acessibilidade à habitação», concluiu.

«Intervenções do lado da procura sem soluções estruturais do lado da oferta não funcionam»

«Ler este pacote é aterrador para quem trabalha no setor do turismo», começou por referir Eduardo Abreu, sócio da Neoturis. Neste setor, «entre 2010 e 2022, a oferta tem crescido 4% ao ano, a procura 5% ao ano e a receita cresceu 8,9% ao ano», o que significa que «Portugal está no bom caminho no que se refere ao setor do turismo, com a receita a crescer mais rápido que a procura e a oferta». «Começar a destruir o alojamento local e o mercado de second home não me parece o melhor caminho», defendeu o empresário.

Para Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), «faltou um conhecimento aprofundado nas medidas tomadas», considerando que «70% do alojamento local está fora dos grandes centros». O presidente da ALEP sublinhou que «existe um stock gigantesco no país com potencial de crescimento que não afeta o que é a habitação permanente». Nesse sentido, recomendou: «façam políticas inteligentes e nós ajudamos a canalizar o crescimento do alojamento local para este stock não dedicado a habitação permanente».

Quanto à suspensão das licenças de AL, «a mensagem passada é que as Câmaras Municipais podem levantar a suspensão, só que há três requisitos: têm de ter uma Carta de Habitação», em que afirmem ter encontrado «o equilíbrio entre habitação permanente, alojamento estudantil e alojamento local»; «em segundo lugar, não podem criar zonas de pressão urbanística; por último, não podem decretar carência habitacional», ficando assim impedidas de aceder a financiamento para investir em habitação. Na prática, o que fizeram foi «dar todo o poder às câmaras, só que com condições que tornam isto impossível ou quase uma chantagem».

Já Miguel Pereira Pinto, director da Quest Capital e coordenador do grupo de trabalho da APPII para a promoção de arrendamento acessível do Pacote “Mais Habitação”, entende que «há um desequilíbrio entre medidas que realmente terão impacto e irão ajudar os ocupantes e medidas que não terão impacto e dificilmente conseguirão ajudar os proprietários». E enquanto as «que tentam dar segurança do lado dos proprietários são medidas que não geram qualquer conflito ou oposição do arrendatário», as «que tentam dar segurança ao arrendatário geram um conflito gigante no negócio dos proprietários».

Na mesma linha, Hugo de Almeida Vilares considera que «intervenções do lado da procura sem soluções estruturais do lado da oferta não funcionam. A subsidiação da renda e o apoio à compra acabam sempre por levar à subida dos preços».

«Confiança depende de estabilidade»

Eduardo Abreu considera que «retirar os investimentos em empreendimentos turísticos dos Golden Visa não faz qualquer sentido, porque não é esse o tipo de alojamento vocacionado para resolver o problema de acesso à habitação», quer «por uma questão de preço», quer por se basear, sobretudo, «nas facilities que oferece».

Eduardo Miranda, por seu turno, sublinha que a «confiança depende de estabilidade» e «esse é o grande ponto negativo deste programa». Para o presidente da ALEP, «não houve diálogo real - e a consulta pública não o é - com as empresas para preparar para esta mudança estrutural».

Miguel Pereira Pinto concorda que «o programa de alargar a oferta deve ser, sem dúvida, para o arrendamento acessível, mas devem ser dados incentivos ao desenvolvimento de produto de arrendamento que não seja acessível» e também «incentivos para o mercado de compra e venda: continuam a existir pessoas que não querem arrendar, mas sim comprar casa. Os incentivos devem ser transversais», defendeu.

«Este pacote em quase tudo é uma oportunidade falhada»

A encerrar o seminário, Pedro Siza Vieira, sócio da PLMJ e ex-ministro da Economia, considerou que «o problema que existe é um problema de acesso à habitação: o preço da habitação está a crescer acima daquilo que é o rendimento mediano em Portugal».

Pedro Siza Vieira aponta «três fatores de explicação» para esta realidade. Por um lado, a «política monetária muito expansionista das últimas duas décadas explica em grande parte o aumento dos preços dos ativos imobiliários», que «cresceram mais que o preço de outros ativos». Por outro lado, «em Portugal temos uma fiscalidade sobre o imobiliário que penaliza a construção de habitação nova e o arrendamento, mas é altamente benéfica para aquilo que é a detenção». Por último, aponta ainda a «insegurança jurídica na promoção do imobiliário».

Quanto ao alojamento local, Pedro Siza Vieira, entende que a atividade «foi muito importante e a conjugação do regime da reabilitação urbana, em 2008, com a liberalização do alojamento local a partir de 2010 mudou as nossas cidades. Lisboa e Porto não seriam as mesmas se não tivesse acontecido este fenómeno», mas depois «fomos longe demais».

 Para o advogado, «temos de atrair investidores institucionais a longo prazo», pois, «só estes é que podem resolver o problema do acesso à habitação no mercado de arrendamento». O sócio da PLMJ considera que «este pacote em quase tudo é uma oportunidade falhada» e que «só os atores de mercado é que podem ter a chave para resolver isto, trabalhando com os incentivos fiscais que agora existem e o acesso a terrenos públicos para fazer habitação».