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Urbanismo e edificação carecem de uma reforma legislativa mais profunda

Fernanda Cerqueira | 05-06-2023
Este é o sentimento do setor da construção e do imobiliário que se reuniu no dia 30 de maio para debater o SIMPLEX do licenciamento urbanístico. O Governo optou por simplificar o processo de licenciamento urbanístico, “mas podia ter ido mais longe” e encetado uma reforma legislativa mais profunda, defendem os especialistas.
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A Assembleia da República tem em discussão, na especialidade, o SIMPLEX do licenciamento urbanístico, cuja redação final será conhecida depois do Verão. O conjunto de alterações previstas e o seu potencial impacto no setor da construção e do imobiliário deu mote ao seminário "As novidades do SIMPLEX do Licenciamento Urbanístico", uma iniciativa do Imojuris em parceria com a Morais Leitão e a APPII – Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários, que decorreu no dia 30 de maio, no Auditório João Morais Leitão, em Lisboa.

"Não se trata de uma reforma do RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação", começou por referir João Pereira Reis, sócio da Morais Leitão, assinalando que "não podemos olhar para este projeto de lei como uma reforma porque ele não o é". Admite, contudo, que "valia a pena pensar na reforma do RJUE, mas esta não foi a opção do Governo".

Entre as alterações mais significativas, João Pereira Reis destacou a eliminação da necessidade de obter licenças urbanísticas criando-se, para o efeito, novos casos de isenção ou dispensa de controlo prévio. Prevê-se um regime de deferimento tácito para as licenças de construção, o que significa que, caso as decisões não sejam tomadas nos prazos devidos, o particular poderá realizar o projeto pretendido.

Propõe-se a eliminação do alvará de licença de construção, o qual é substituído pelo recibo de pagamento das taxas devidas. A contagem dos prazos passa a iniciar-se com a entrega do pedido pelo particular e os prazos só se suspendem se o particular demorar mais de 10 dias a responder aos pedidos de informação, documentos adicionais ou a outras solicitações da Administração Pública. Também se propõe a eliminação da autorização de utilização quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio, substituindo-se essa autorização por uma mera comunicação prévia, ou seja, uma mera entrega de documentos. Na senda da agilização, as câmaras municipais não apreciam nem aprovam projetos de especialidades, os quais são remetidos para mera tomada de conhecimento e arquivo, acompanhados de declarações emitidas pelos técnicos competentes em como os projetos foram realizados em conformidade com a lei.

"Estamos a falar de um diploma que não está fechado. Nada disto é um dado adquirido e seguramente que este anteprojeto deve sofrer algumas modificações", sublinhou João Pereira Reis. Com feito, e como alertou o advogado, há "dificuldades de interpretação" em várias passagens do diploma. E se, por um lado, o fim dos alvarás e da burocracia a eles associada parece uma medida positiva, por outro lado, levantam-se questões de segurança jurídica.

"Simplificação é algo que todos queremos, mas com muita responsabilidade"

Também Joana Almeida, vereadora do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML), considera que este diploma "é um documento de trabalho e que é lançado para todos reagirmos e o melhorarmos". Na sua perspetiva, fica evidente a preocupação do legislador com a complexidade do licenciamento nas câmaras municipais. Porém, deixa o alerta: "simplificação é algo que todos queremos, mas com muita responsabilidade e com conhecimento do que é a realidade no terreno, nas câmaras municipais".

No que diz respeito a dois dos pontos mais controversos das alterações propostas, ou seja, a eliminação da autorização de utilização e do alvará de construção, Joana Almeida admite que "até podemos eliminar estes termos, ‘alvará de construção’ e ‘licença de utilização’, porque têm associada uma carga burocrática, mas terá de haver um documento, um bilhete de identidade destas duas etapas que, de facto, são fundamentais"

Também Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, considera que os projetos em causa, "uma proposta de autorização legislativa e uma proposta de decreto-lei, são documentos de trabalho". Para o presidente da APPII, este "é um momento único" em que "passamos a ter um país onde, finalmente, consideramos que o problema do licenciamento é também um problema de habitação". Apesar dos avanços que estas alterações podem representar, também Hugo Santos Ferreira defende que "podíamos ter ido muito mais longe", e que "urgia uma revisão do RGEU [Regulamento Geral das Edificações Urbanas] e do RJUE".

Sobre o processo legislativo em curso, Hugo Santos Ferreira sublinhou que "o legislador está a entrar por uma prática legislativa pela negativa", o que, na prática, significa "vamos proibir as câmaras municipais de pedir excessos", isto numa tentativa de descomplicar a teia do licenciamento urbanístico. Uma opção que, ainda assim, se afigura "bastante positiva" para Rui Ribeiro Lima, advogado sénior da Morais Leitão.

Prazos propostos devem ser realistas

"Os prazos é um tema fundamental", sublinhou Joana Almeida. "O nosso compromisso com o Governo é dizermos o que conseguimos no nosso melhor cenário, no cenário otimista. Com estas simplificações implementadas, no futuro, quais são os nossos melhores prazos. Se ficam ou não na lei cabe ao legislador decidir".

Em linha com a posição da vereadora do urbanismo da CML, também Hugo Santos Ferreira pediu atenção ao tema dos prazos. "Prazos curtos todos queremos, mas não queremos prazos curtos e  irrealistas", disse o presidente da APPII. Ainda sobre este tema, Rui Ribeiro Lima apelou à  sensibilização do legislador em estabelecer "prazos mais consentâneos com aquilo que é a realidade".

Não obstante o empenho que, quer as autarquias quer o setor reconhecem ao Governo neste esforço de simplificação, há alguns aspetos que têm gerado dúvidas e alguma insegurança. O caso mais flagrante são as novas situações de isenção ou dispensa de controlo prévio. Sobre esta medida, Joana Almeida adiantou que a CML vai "propor alguns recuos a este diploma e os recuos estão na isenção de controlo prévio". Para a vereadora do urbanismo da CML, "o foco tem estado muito na celeridade, mas a bem da qualificação da cidade e da qualidade do espaço urbano, vamos propor alguns recuos em relação a este tema da isenção do controlo prévio".