Foi publicado, em Diário da República, o Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local. As novas regras entram em vigor a 1 de novembro.
De acordo com a nova redação, sem prejuízo da eventual proibição do exercício da atividade de alojamento local no título constitutivo da propriedade horizontal ou em regulamento de condomínio que dele faça parte integrante, ou ainda através de deliberação posterior da assembleia de condóminos, a instalação e exploração de estabelecimentos de alojamento local em fração autónoma «não constitui uso diverso do fim a que é destinada, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 1422.º do Código Civil, devendo coexistir no quadro dos usos urbanísticos dominantes admissíveis para a respetiva zona territorial, salvaguardando a harmonia e a coexistência das atividades que decorrem nas outras frações». A referida deliberação posterior de criação ou alteração do regulamento de condomínio, com o objetivo de proibir o exercício da atividade do alojamento local, deve ser aprovada «por maioria representativa de dois terços da permilagem do prédio e produz efeitos para futuro, aplicando-se apenas aos pedidos de registo de alojamento local submetidos em data posterior à deliberação», lê-se no diploma.
Recorde-se que, atualmente, «sempre que o estabelecimento de alojamento local seja registado em fração autónoma de edifício em regime de propriedade horizontal que se destine, no título constitutivo, a habitação, deve o registo ser precedido de decisão do condomínio para uso diverso de exercício da atividade de alojamento local», decisão que implica o acordo de todos os condóminos.
No caso de alojamentos locais já em atividade, a assembleia de condóminos pode opor-se ao seu exercício através de deliberação fundamentada aprovada por mais de metade da permilagem do edifício, com fundamento na prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, solicitando, para o efeito, uma decisão do presidente da câmara municipal territorialmente competente. Recorde-se que, atualmente, se exige, para o efeito, uma deliberação, que não necessita de ser fundamentada, de pelo menos dois terços da permilagem do edifício, salvo quando o título constitutivo expressamente preveja a utilização da fração para fins de alojamento local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim.
Recebida a deliberação da assembleia de condóminos, o presidente da câmara municipal, com faculdade de delegação nos vereadores e nos dirigentes dos serviços municipais, decide sobre o pedido de cancelamento. Em alternativa ao cancelamento do registo, o presidente da câmara pode convidar os intervenientes à obtenção de um acordo, acompanhado, quando exista, por um provedor do alojamento local, com vista ao arquivamento do procedimento mediante a aceitação de compromissos e condições. Este procedimento deverá estar concluído no prazo máximo de 60 dias, com aprovação de relatório final, e conter as soluções e propostas de medidas a adotar, ou a conclusão de inviabilidade de acordo, com vista a decisão final do órgão competente. Caso a decisão final seja de cancelamento, tal implicará a impossibilidade de o imóvel em questão ser explorado como alojamento local, independentemente da respetiva entidade, por um período fixado na decisão, que não poderá exceder cinco anos.
Registo do estabelecimento deixa de ser pessoal e intransmissível
Foi revogada a norma que prevê que o número de registo do estabelecimento de alojamento local é pessoal e intransmissível, ainda que na titularidade ou propriedade de pessoa coletiva.
Assim, o título de abertura ao público deixa de caducar, como atualmente se prevê, em caso de transmissão da titularidade do registo, cessação de exploração, arrendamento ou outra forma de alteração da titularidade da exploração, assim como, tratando-se de pessoa coletiva, em caso de transmissão de qualquer parte do capital social, independentemente da percentagem.
Tal não impede que, nas designadas 'áreas de contenção' - definidas como aquelas «em que se verifique uma sobrecarga de estabelecimentos de alojamento, que possa justificar restrições à instalação de novos estabelecimentos» -, os municípios possam, através de regulamento municipal, «estabelecer limitações proporcionais à transmissibilidade dos novos números de registo do estabelecimento de alojamento local, nas modalidades de ‘moradia’ e ‘apartamento’», sem que, no entanto, «possam afetar os casos de: i) Sucessão; ii) Transmissão gratuita da unidade de alojamento local para cônjuge ou unido de facto, descendentes ou ascendentes; iii) Divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou dissolução da união de facto», lê-se ainda no diploma.
Papel dos municípios ganha maior relevância
«É necessário atribuir aos municípios as ferramentas jurídicas para decidir em matéria de atribuição, regulação, fiscalização e promoção de processos de intervenção nas unidades de alojamento local, nomeadamente definindo os procedimentos e os meios de atuação em regulamento próprio», lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro. Para o efeito, devem os municípios «assumir competências para acomodar, de forma sustentável e estratégica, a atividade do alojamento local, atendendo às caraterísticas próprias dos seus territórios, através de regulamento próprio».
Nesse sentido, o novo diploma estabelece que os municípios podem aprovar um regulamento administrativo tendo por objeto a atividade do alojamento local no respetivo território. Nos municípios com mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados, a assembleia municipal deve deliberar expressamente, no prazo máximo de 12 meses contados da data em que o município atinja os 1000 registos, se exerce esse poder regulamentar. Este prazo conta-se a partir da entrada em vigor do diploma (01-11-2024), no caso dos municípios que, a essa data, já tenham mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados.
O regulamento municipal pode prever a designação de um ‘provedor do alojamento local’ que apoie o município na gestão de diferendos entre os residentes, os titulares de exploração de estabelecimentos de alojamento local e os condóminos ou terceiros contrainteressados, competindo-lhe, designadamente, apreciar as queixas que lhe sejam apresentadas, emitir recomendações, bem como aprovar e fazer implementar guias de boas práticas sobre o funcionamento da atividade.
Por outro lado, as juntas de freguesia deixam de ter poderes de fiscalização da atividade, competindo apenas à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e à câmara municipal territorialmente competente fiscalizar o cumprimento do regime jurídico do alojamento local, cabendo à ASAE controlar e zelar pelo cumprimento da atividade do alojamento local e à câmara municipal, designadamente através da polícia municipal, exercer os poderes de autoridade e os meios coercivos que estejam ou venham a ser fixados em regulamento municipal, podendo qualquer uma destas entidades, conjunta ou separadamente, abrir e instruir os respetivos processos e aplicar as respetivas coimas e sanções acessórias.
É da responsabilidade do titular da exploração a cobertura, através de contratos de seguro, dos riscos inerentes à exploração de estabelecimento de alojamento local, podendo o município exigir prova documental da celebração do contrato de seguro, comprovativo que deverá ser apresentado «no prazo máximo de três dias, sob pena de cancelamento do registo e demais consequências previstas na lei».
A capacidade máxima dos estabelecimentos de alojamento local, com exceção da modalidade de ‘quartos’ e ‘hostel’, passa a ser de nove quartos e de 27 utentes (até aqui, era de 30 utentes). Se tiverem condições adequadas, podem ser instaladas, nas unidades de alojamento local, camas convertíveis e/ou suplementares, desde que, no seu conjunto, não ultrapassem 50% do número de camas fixas. Atualmente, cada unidade, se tiver condições de habitabilidade adequadas, poderá comportar, no máximo, duas camas suplementares para crianças até aos 12 anos.